Ilógica: Cardozo defende ministro que PF acusa
Josias de Souza
05/03/2014 20h42
Alvejado por um pedido de inquérito da Polícia Federal, o ministro do Trabalho, Manoel Dias (PDT), foi defendido pelo colega da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT). Superior hierárquico da PF, Cardozo disse que o órgão "cumpre o seu papel".
Mas levou o pé atrás: "A Constituição é muito clara quando diz que ninguém é culpado sem prévia sentença judicial. O fato de haver uma investigação não atinge em momento algum a situação de qualquer cidadão brasileiro".
Com essas declarações, Cardozo tornou-se um personagem surreal. Disse, com outras palavras, que prefere segurar o PDT na coligação reeleitoral de Dilma Rousseff do que prestigiar o trabalho da PF.
Ao investigar a execução de um convênio que transferiu R$ 11 milhões do Tesouro para as arcas de uma ONG companheira, a ADRVale, o delegado federal Anníbal Wust Gaya concluiu que parte do dinheiro pagou salários a militantes do PDT.
Puxando os fios, o delegado chegou à meada de Manoel Dias. E enviou o caso para o alto. Vale a pena reler, por eloquente, um trecho do relatório do subordinado do doutor Cardozo:
"Por se tratar de autoridade com foro por prerrogativa de função, e aparecendo o nome do atual ministro Manoel Dias como possível corresponsável pela contratação indevida de empregados à empresa ADRVale, com indícios de malversação de verba federal, propõe-se a imediata remessa do presente feito ao Supremo, para continuidade da persecução penal."
Feudo do PDT, o Ministério do Trabalho frequenta o noticiário policial desde o segundo reinado de Lula. Numa fase em que Dilma fazia pose de faxineira, foi ao olho da rua, em 2011, Carlos Lupi —sem sentença judicial.
Instalou-se na entrada da pasta do Trabalho uma porta giratória do PDT. No entra e sai, Dilma escondeu a vassoura atrás da conveniência eleitoral e devolveu o comando do ministério ao ex-lixo. Lupi terceirizou a gestão ministerial ao correligionário Manoel Dias.
Com sua lógica acaciana —"ninguém é culpado sem senteça"— Cardozo pede ao contribuinte que aceite como razoável a ideia de que um suspeito ao lado do cofre é inofensivo.
O bom da lógica do chefão da PF é que ela tem cara de lógica, som de lógica, rabo de lógica… Mas é absurdo puro. A administração pública é como a gravidez. Nenhuma mulher pode estar mais ou menos grávida, como não se pode ser um ministro um pouco confiável.
Além de menosprezar o trabalho da PF, Cardozo desmerece a atuação da CGU, outra repartição que acumula toneladas de evidências de que o PDT na Esplanada ofende a ética e custa caro à Viúva. Nesse ritmo, o doutor acaba convencendo o contribuinte de que Manoel Dias não pode cair sozinho.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.