Dilma e PMDB rebelde se enfrentam nesta terça
Josias de Souza
11/03/2014 05h38
Na noite desta terça-feira, o plenário da Câmara será palco de uma batalha sui generis. Vão à sorte das armas legislativas o governo da presidente Dilma Rousseff e o pedaço rebelado do partido do vice-presidente Michel Temer. Desafiado por Dilma, o líder do PMDB, Eduardo Cunha, comanda uma infantaria que tentará impor ao Planalto uma derrota constrangedora. Se ele prevalecer, a Petrobras será a primeira vítima da crise que eletrifica as relações do Planalto com seu principal aliado.
Vai a voto uma proposta do líder do DEM, Mendonça Filho (PE), subscrita pelos também oposicionistas PSDB e PPS. Prevê a criação de uma comissão suprapartidária de deputados para investigar, em diligências externas, a denúncia de que funcionários da Petrobras receberam propinas milionárias da SBM Offshore, uma empresa holandesa que opera no ramo da locação de plataformas petrolíferas. A ideia da oposição foi encampada pelo 'blocão', como se autodenominou o grupo de oito partidos, PMDB à frente, que se uniu para isolar o PT de Dilma na Câmara.
Nesta segunda-feira, véspera batalha, Brasília viveu cenas surreais. Entrincheirado no Planalto, o ministro petista Aloizio Mercadante (Casa Civil) pressionou líderes governistas para que votem como governistas. Convocou à sua presença, por exemplo, o líder do PR na Câmara, Bernardo Santana (MG). Fez a caveira de Eduardo Cunha e aconselhou o interlocutor a desembarcar do 'blocão'. A reação de Santana dá uma ideia da impopularidade do governo entre os governistas.
Ao sair da sala de Mercadante, o líder do PR tocou o telefone para Eduardo Cunha, o desafeto de Dilma. Relatou o que sucedera. Mercadante o apertara junto com outras três personalidades do PR: o ministro Cesar Borges (Transportes), representante da legenda na Esplanada, além dos senadores Alfredo Nascimento (AM), presidente do PR federal, e Antonio Carlos Rodrigues (PR-SP), suplente da ministra Marta Suplicy (Cultura), licenciada do Senado.
Santana deu a entender que, a despeito do aperto, o PR tende a votar pela abertura da investigação contra a Petrobras. No instante em que recebeu a ligação, Eduardo Cunha reunia-se na Câmara com os líderes dos dois maiores partidos da oposição: o pernambucano Mendonça Filho, do DEM, e o baiano Antonio Imbassahy, do PSDB. Acertava com a dupla uma tática conjunta para duas batalhas. Além de jogar uma lupa sobre os negócios da Petrobras, a inusitada parceria deseja rejeitar o projeto que institui o Marco Civil da Internet, uma prioridade de Dilma.
O projeto da internet só deve ser votado na quarta. Para a noite desta terça, a principal preocupação dos adversários do PT —os tradicionais e os de ocasião— é evitar que o partido de Dilma obstrua a votação. Às vésperas do Carnaval, o governo teve uma eloquente amostra dos riscos a que está exposto. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), incluíra na pauta do plenário a proposta que alveja a Petrobras.
Henrique fez isso porque, em reunião com os líderes partidários, a grossa maioria das legendas com representação na Câmara guindou o esquadrinhamento da estatal petroleira à condição de prioridade máxima. Coisa combinada horas antes pelos comandantes do 'blocão', num encontro realizado no apartamento de Eduardo Cunha.
Isolado, o PT apresentou em plenário um pedido de retirada da proposta tóxica da pauta. Algo previsto no regimento. Levada a voto, a solicitação do PT foi derrotada por uma maioria tonitruante: 261 a 80. Houve quatro abstenções. Estava claro que, exceto pelo pequeno PCdoB e pelo minúsculo PRB, únicas legendas que acompanharam o PT, todo o resto da megacoligação que deveria dar suporte congressual a Dilma entrara em colapso.
Rendido, o PT fez o que lhe restava: numa sucessão de discursos inócuos, esticou o lero-lero até que o prazo de duração da sessão, de uma hora, expirasse. Henrique Alves abriu, minutos depois, uma sessão extraordinária. Mas recusou-se a recolocar a proposta anti-Petrobras em votação. Argumentou que seu compromisso era o de pautar a matéria apenas na sessão ordinária, não na extraordinária. Justificou-se: diante do êxito da obstrução do petismo, nada podia fazer.
Em reação, o PMDB, o resto do blocão e os partidos de oposição bloqueram também a sessão extraordinária. Assim, a encrenca da Petrobras foi congelada na pauta como primeiro item. O governo teve todo o Carnaval para se rearticular. Quando se imaginava que providenciava a pacificação do seu condomínio, o presidente do PT federal, Rui Falcão, reacendeu o pavio de Eduardo Cunha.
Numa entrevista concedida no Sambódromo do Rio, Falcão atravessou no samba a insinuação de que o PMDB do Rio de Janeiro flertava com o tucano Aécio Neves porque Eduardo Cunha fora desatendido em suas pretensões fisiológicas na reforma ministerial. Seguiu-se uma troca de insultos que permitiu ao país descobrir que certos petistas e peemedebistas consideram-se uns aos outros "vagabundos", "pilantras" e "chantagistas".
Num ciclo de reuniões inaugurado no domingo e encerrado nesta segunda, Dilma informou ao vice Temer e à caciquia do PMDB que não quer mais conversa com Eduardo Cunha. Já não ia com a cara dele. Agora, enxerga-o como um adversário do governo. Quer isolá-lo. Em privado, a presidente disse a auxiliares que deseja saber qual é o real tamanho do líder do PMDB. É contra esse pano de fundo conflagrado que a Câmara realizará a sessão noturna desta terça.
Se Dilma prevalecer, Eduardo Cunha será reduzido à sua insignificância. Porém, se o líder do PMDB conseguir transformar a solidariedade do seu partido, a insatisfação latente das legendas governistas e a sociedade com a oposição em matéria prima para o sucesso, a presidente da República será apresentada a um adversário bem mais ladino do que sua autosuficiência poderia supor.
Afora as tocaias do plenário, Eduardo Cunha se equipa para emboscar o Planalto também na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara. Há nessa comissão um lote de requerimentos da oposição convocando autoridades do governo para prestar esclarecimentos sobre um sem-número de encrencas. Entre esses requerimentos dois se referem à Petrobras. Um convoca o ministro pemedebista Edison Lobão (Minas e Energia). Outro, convida a presidente da estatal, a petista Graça Foster.
Eduardo Cunha esteve com Lobão, um senador licenciado que foi à Esplanada por indicação de José Sarney (PMDB-MA). Avisou-o de que a bancada do PMDB ajudará a oposição a aprovar o convite a Graça Foster, para que ela explique aos deputados as providências que adotou para acomodar em pratos limpos a suspeita de pagamento de propinas na Petrobras. Se em 30 dias a presidente da estatal não atender ao convite, a comissão de Fiscalização, presidida pelo peemebista Hugo Motta (PB), pode apreciar o requerimento de convocação de Lobão.
Mendonça Filho, o líder do DEM, acha que a Câmara talvez esteja vivendo um fenômeno que o Planalto ainda não foi capaz de farejar. Para ele, ouve-se na Casa um rumor que vem "do fundo do plenário". São as vozes do chamado baixo clero, um contingente invisível de deputados que, desatendidos em suas demandas às vésperas das eleições, pode submeter o governo a dissabores insondáveis. Na avaliação de Mendoncinha, como o deputado é chamado pelos amigos, quando a voz do fundo do plenário decide gritar, não há líder partidário que consiga silenciá-la. Logo, logo se descobrirá se ele tem razão.
Um detalhe adiciona ironia no espetáculo. Ao longo desta terça-feira, Dilma Rousseff estará no Chile. No instante em que o PMDB iniciar sua marcha contra o governo na Câmara, o grão-peemedebê Michel Temer será o presidente interino. Pela programação original, Dilma só retornaria a Brasília na quarta. Ante a conflagração do seu bloco parlamentar, ela decidiu encurtar a agenda. Estará de volta à Capital no meio da noite. Preve-se que a aterrissagem do avião presidencial ocorrerá às 20h30. Se não houver atrasos, Dilma chegará a tempo de assistir pela TV Câmara à abertura do painel. Dependendo do resultado, a votação será um pesadelo do qual a presidenta terá dificuldade de acordar.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.