Decisão do STF desautoriza manobra da CPI
Josias de Souza
03/04/2014 20h26
Decisão tomada pelo STF em 25 de abril de 2007 desautoriza a manobra do governo e do presidente do Senado, Renan Calheiros, contra a CPI da Petrobras. Por unanimidade, os ministros do Supremo deliberaram que os pedidos de CPI, quando formulados corretamente, devem ser acatados sem questionamentos.
Coube ao ministro Celso de Mello, redigir o acórdão, como é chamado o resumo da decisão. Pode ser lido aqui. O texto recorda que o instituto da CPI está previsto no parágrafo 3º do artigo 58 da Constituição. Diz o seguinte:
"As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros [27 senadores e/ou 171 deputados], para a apuração de fato determinado e por prazo certo…"
De acordo com o STF, atendidas as três condições (apoio de um terço, fato determinado e prazo definido), "a maioria legislativa não pode frustrar o exercício, pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional, do direito público subjetivo, que lhes confere a prerrogativa de ver efetivamente instaurada a investigação parlamentar."
Nos termos do acórdão do Supremo, "cumpre ao presidente da Casa legislativa (Renan) adotar os procedimentos subsequentes e necessários à efetiva instalação da CPI, não se revestindo de legitimação constitucional o ato que busca submeter, ao plenário da Casa legislativa, quer por intermédio de formulação de Questão de Ordem, quer mediante interposição de recurso ou utilização de qualquer outro meio regimental, a criação de qualquer comissão parlamentar de inquérito."
No caso da CPI da Petrobras, após conferir as assinaturas dos 29 signagtários —dois além do mínimo necessário—, Renan leu o pedido em plenário. Na sequência, deu início a um jogo combinado com o Planalto. Passou a palavra à senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) para a formulação de uma "questão de ordem". Um procedimento que, pelo acórdão do STF, não tem "legitimação constitucional".
Ex-chefe da Casa Civil de Dilma, Gleisi pediu a impugnação do requerimento de CPI da oposição. Por quê? Alegou que a Constituição exige que a CPI investigue um "fato determinado", não quatro, como querem os opositores do governo. Renan acolheu a "questão de ordem", comprometendo-se a dar uma resposta na sessão seguinte. De novo, uma inovação que não tem amparo constitucional.
Retorne-se ao texto do Supremo: recebido o pedido, "cumpre ao presidente da Casa legislativa, adotar os procedimentos subsequentes e necessários à efetiva instalação da CPI". A leitura do requerimento em plenário era o primeiro passo. Estava entendido que: 1) a assessoria de Renan já havia conferido as assinaturas dos apoiadores da CPI; e 2) não havia dúvidas quanto ao "fato determinado": a apuração de quatro suspeitas relacionadas à Petrobras. Do contrário, Renan teria enviado o requerimento ao arquivo, não à pauta do plenário.
Dando sequência à manobra, Renan leu em plenário um segundo pedido de CPI, protocolado pelo PT. Continha sete tópicos: os quatro do requerimento da oposição e mais três: o cartel dos trens de São Paulo, a estatal mineira Cemig e o porto pernambucano de Suape. A senadora Gleisi, que achara o pedido anterior demasiado abrangente, assinou este outro, ainda mais agigantado.
Dessa vez, foi o líder do PSDB, Aloysio Nunes (SP), quem pediu a impugnação. E Renan tornou a prometer resposta para a sessão do dia seguinte. Estava estabelecida a balbúrdia, como queria o governo. Renan voltou aos holofotes no dia seguinte. Ao tomar conhecimento das suas deliberações, o pedaço do plenário do Senado que ainda conserva a sanidade se deu conta de que não será fácil empurrar de volta para dentro da lâmpada o gênio que saíra na véspera.
Renan indeferiu as duas impugnações, a de Gleisi e a de Aloysio Nunes. Ambas feitas por meio de "questões de ordem" que, à luz do acórdão do STF, Renan jamais poderia ter admitido. Em seguida, o presidente do Senado sustentou que, sendo corretos os dois pedidos de CPI, deveria prevalecer o segundo, que é mais amplo do que o primeiro. Como assim?!?!? Segundo Renan, o STF já decidiu que uma CPI pode incorporar outros fatos. Bobagem.
O que o Supremo decidiu foi o seguinte: no curso de uma CPI, caso surja alguma nova suspeita que tenha conexão com o que está sendo apurado, a investigação pode ser ampliada. A tese de Renan é inepta por duas razões: 1) a investigação parlamentar nem começou; 2) assuntos como o cartel dos trens e do metrô de São Paulo não têm nenhuma conexão com as encrencas da Petrobras.
Egresso do Ministério Público Federal, o senador Pedro Taques (PDT-MT) ironizou Renan: "Vossa Excelência está misturando avestruz com lobisomem." Encerrada a sessão, Taques refinou o chiste: "Só existe uma possibilidade de juntar o cartel de São Paulo e a Petrobras numa mesma CPI: é preciso demonstrar que a estatal enviou petróleo para a refinaria de Pasadena, no Texas, utilizando as linhas do metrô de São Paulo. Se isso tiver acontecido, os fatos são conexos."
Signatário da CPI da Petrobras, Taques defende que o Senado investigue também o cartel que assombra o tucanato em São Paulo. Só que em outra CPI, não na da Petrobras. O governo e Renan, patrono de patrióticas nomeações na Petrobras, querem misturar as coisas porque sabem que, numa CPI, mais é sinônimo de menos. Muitos alvos, pouca —ou nenhuma- investigação.
Não bastasse a confusão do Senado, a guerra das CPIs foi replicada no plenário do Congresso, que reúne as duas Casas legislativas. A oposição protocolou um pedido de CPI mista, com deputados e senadores. O bloco governista apressou-se em fazer o mesmo, incluindo o cartel, Suape e etc.. Assim, há no Legislativo nada menos que quatro pedidos de CPI. Só não há investigação.
Por mal dos pecados, Renan Calheiros, além de presidir o Senado, comanda o Congresso. Ou seja: será dele, novamente, a palavra final em relação às CPIs mistas. A oposição se equipa para protocolar no STF, na semana que vem, um mandado de segurança. Pedirá que seja assegurado o direito da minoria de investigar a Petrobras. Não são negligenciáveis as chances de êxito.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.