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Por Gim, Dilma e Renan querem Brasil de cegos

Josias de Souza

09/04/2014 05h54

— Não sei quantos aqui conhecem a vocação do senador Gim Argello para o papel que ele desempenhará pelos próximos 19 anos como ministro do Tribunal de Contas da União. Eu, que o conheço há mais tempo do que muitos, não sei se ele tem a menor vocação, o menor preparo, o menor gosto pelo trabalho árduo de ministro do TCU.

Com a palavra, Cristovam Buarque, numa de suas participações na sessão do Senado, nesta terça-feira. Sua voz fez eco com outras que se ergueram contra a tentativa do presidente do Senado, Renan Calheiros, de impor o ritmo de toque de caixa à análise da indicação do colega Gim Argello para ocupar uma poltrona vitalícia de ministro do TCU. Renan queria poupar  Gim de uma sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos. Cristovam puxava os véus.

— Seria útil ouvir o senador Gim Argello numa audiência na Comissão de Economia. Mas eu sei que muitos aqui não estão ligando pra isso. Sei que isso é fruto de um arranjo feito no Palácio do Planalto. E nós estamos nos prestando a isso.

Conforme já noticiado aqui, Gim responde a seis inquéritos no STF, um deles já com denúncia da Procuradoria Geral da República. A lista de crimes atribuídos ao senador faz dele um personagem apto para várias coisas, nada que orne com as atribuições de um ministro do TCU: peculato, fraude em licitação, apropriação indébita, corrupção, lavagem de dinheiro e crimes contra o patrimônio.

Com o aval de Dilma Rousseff, o acerto palaciano a que se referiu Cristovam foi tricotado na semana passada com o PTB, partido de Gim, pelos ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Ricardo Berzoini (Relações Institucionais). Para cavar a vaga de Gim no TCU, antecipou-se a aposentadoria de um dos ministros, o ex-senador Valmir Campelo. Como? Oferecendo-lhe a cadeira de vice-presidente de Governo do Banco do Brasil.

— Estão brincando com o Banco do Brasil como já brincaram com a Petrobras. Essa é a verdade. E nós aqui, nos prestando a isso. Pelo menos vamos analisar a vocação do senador Gim Argelo numa sabatina na Comissão de Economia, rogou Cristovam.

Devolvido à cadeira de presidente do Senado com a perspectiva de refazer a própria biografia, Renan revelou-se na sessão desta terça o mesmo Calheiros de sempre. Fez ouvidos moucos para os apelos dos colegas que cobraram respeito aos prazos. Programara-se para votar um pedido de urgência e, de cambulhada, na mesma sessão, aprovar o nome de Gim.

— Vou votar contra a urgência. Os prazos previstos no nosso regimento não são ornamentais, apressou-se em informar Aloysio Nunes, líder do PSDB.

Presente à sessão, Gim não disse palavra. Era como se preferisse ficar invisível. Jarbas Vasconcelos, dissidente do PMDB, constatou que a invisibilidade era plena, já o nome de Gim não era mencionado nem no papel que formalizava sua escolha, na cota do Senado.

— É inegável que a indicação do senador Gim Argello, cujo nome inclusive não consta da indicação, é polêmica. Estranhamente, não consta o nome dele. Peço que essa matéria vá para a Comissão de Assuntos Econômicos. Há precedentes aqui no Senado de tentativas do governo federal de tumultuar os trabalhos. Essas coisas estão ficando claras.

De fato, estava claro que, consorciado com Dilma e seus ministros, Renan flertava com o obscuro. Desde o desfecho do julgamento do mensalão, há uma fome de limpeza no ar. Mas Renan quer forçar o Senado a fazer dieta. Curiosamente, nenhum senador fez referência aos inquéritos que Gim protagoniza no STF. O que mais chegou perto foi o líder do PSOL, Randolfe Rodrigues. Ele reclamou que faltava um documento no papelório repassado aos senadores.

— Foi distribuído sem constar o currículo [de Gim argelo], que me parece ser um requisito necessário. A Constituição apresenta duas exigências para o cargo de ministro do TCU: notório saber e reputação ilibada. No mínimo, deveríamos ter o currículo. E não temos.

Ouviram-se apelos suprapartidários para que Renan aguardasse pela sabatina de Gim na comissão. Além de Cristovam (PDT), Aloysio Nunes PSDB), Jarbas (PMDB) e Randolfe (PSOL), reiteraram o pedido: Agripino Maia (DEM), Rodrigo Rollemberg (PSB) e Pedro Taques (PDT). Renan deu de ombros. Sustentou que, aprovando-se a urgência com os votos da maioria, o Senado estava autorizado a suprimir prazos e procedimentos. Renan realçou que o modelo vapt-vupt já fora utilizado pelos senadores. "É comum", disse ele uma, duas, três quatro vezes ao longo da sessão.

Súbito, algo de muito incomum sucedeu no Senado: Renan perdeu uma disputa. Submetido a uma votação simbólica, na qual os líderes votam pelos liderados, o pedido de urgência foi dado por aprovado. A turma do contra exigiu a verificação do quorum. Renan aferiu os votos. Aberto o painel eletrônico deu-se o inusitado: 24 votos a favor do rito abreviado, 25 pelo respeito aos prazos regimentais, duas abstenções. Estavam ausentes 30 senadores. Por uma diferença de um voto, Gim Argello terá de submeter-se a uma sabatina.

No fim das contas, considerando-se o tamanho da bancada governista, a indicação de Gim Argello para o TCU deve ser aprovada. Apoiam a iniciativa os dois maiores partidos da Casa: PMDB e PT. Mas pelo menos a plateia terá a oportunidade de se divertir ouvindo as explicações do preferido de Dilma e de Renan. O senador Cássio Cunha Lima iluminou os riscos:

— Não estamos mais em um país que fecha os olhos e tapa os ouvidos diante dos acontecimentos. Temos uma sociedade viva lá fora, temos redes sociais. Não podemos esticar mais a corda. Não podemos esquecer que o Senado teve de adotar medidas de segurança, para que este plenário não fosse invadido há um ano. Vamos fazer de conta que nada daquilo que aconteceu nessa Esplanada foi real?

Em verdade, o jogo do faz de conta já recomeçou no dia em que Renan foi devolvido à presidência do Senado pela terceira vez. A simples tentativa de enviar ao TCU um senador com telhado, ternos e gravatas de vidro demonstra que certos políticos continuam achando que não devem nada a ninguém. Muito menos explicações.

Dilma e Renan intimaram o Brasil a se fingir de cego. Eles pedem aos brasileiros que aceitem a tese de que Gim Argello é um homem bom. Aconselham aos jornalistas que deixem de fazer perguntas incômodas. O país deve aceitar, babando na camisa, que um senador pluriencrencado no STF será no TCU um grande fiscal dos desvios da República.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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