Versão de André Vargas sobre tráfico de influência na Saúde foi desmentida
Josias de Souza
13/04/2014 05h52
Pilhado pela Polícia Federal numa troca de mensagens eletrônicas com o doleiro preso Alberto Youssef sobre negócios do laboratório Laborgen com o Ministério da Saúde, o deputado André Vargas (PT-PR) discursou da tribuna da Câmara: "Quero deixar bem claro que não participei, não agendei, não soube previamente nem acompanhei desdobramentos de nenhuma reunião no ministério a respeito de qualquer assunto relacionado a negócios da Laborgen".
Em entrevista à revista Veja, o autônomo Leonardo Meirelles, proprierário formal do Laborgen declarou: "Encontrei o deputado André Vargas duas vezes no ano passado para tratar da parceria com o Ministério da Saúde e apresentar o projeto da Laborgen. Em um desses encontros, o Pedro Argese [diretor do laboratório] também estava junto. O deputado viu o projeto e nos ajudou."
Como chegou a André Vargas? "Não é segredo a proximidade do deputado com o Alberto Yossef. Foi ele quem nos aproximou. O Youssef me indicou o o deputado, e nós conversamos. O próprio Youssef articulava essa parte política porque ele também tinha interesse. Ele iria comprar 80% do laboratório."
Que tipo de serviço o deputado fez? "Fez o que todo deputado faz quando é procurado por um empresário com um bom projeto. Ele nos ajudou a chegar ao governo. Não teve nada errado. Ele apenas conseguiu a reunião no ministério. Uma coisa que todo político faz."
Para a Polícia Federal, Leonardo Meirelles é um laranja de Youssef. O outro "sócio" do laboratório é um frentista: Esdra Ferreira. A exemplo do doleiro, ambos foram presos na Operação Lava-Jato. A entrevista de Meirelles bastaria para escurecer aquilo que André Vargas pretendeu "deixar bem claro" no discurso que despejou sobre o plenário da Câmara. Mas não ficou nisso.
Procurado, também o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, hoje candidato do PT ao governo de São Paulo, disse que André Vargas o procurou para tratar da possibilidade de contratação da Labogen. No ministério, informou-se que o pedido do deputado "seguiu o trâmite regular". Tanta regularidade resultou na celabração de um contrato de R$ 30 milhões com um laboratório que, até ali, servia como lavanderia de dinheiro de Youssef.
Relator do pedido de cassação de André Vargas no Conselho de Ética da Câmara, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) já deu indicações de que pretende levá-lo ao cadafalso por ter mentido para os colegas da tribuna da Câmara. Não terá dificuldades para recolher a matéria prima para o seu relatório.
A revista Veja também informa que, sentindo-se abandonado por seu partido, André Vargas recorreu a uma ferramenta inusitada para reconquistar o PT: a chantagem. Disse a petistas que, faltando-lhe a solidariedade, vai entregar companheiros. Em privado, relaciona entre seus alvos o próprio Padilha, o ministro Paulo Bernardo (Comunicações) e a mulher dele, a senadora Gleisi Hoffmann, ex-chefe da Casa Civil e candidata do PT ao governo do Paraná.
Longe dos refletores, Vargas insinuou que Paulo Bernardo é beneficiário de desvios praticados na Petrobras. Nessa versão, o ministro teria intermediado contratos entre um grupo empresarial chamado Schahin e a estatal petroleira. Em troca, teria recebido uma "corretagem" recolhida pelo doleiro Youssef.
Em converas com deputados petistas, André Vargas citou outra logomarca: a agência Heads Propaganda. "a Heads é esquema deles", afirmou, referindo-se a Paulo Bernardo e a Gleisi Hoffmann. Sob Dilma, anota a revista, a agência tornou-se líder no recebimento de verbas do governo. Encontra-se sob investigação do TCU.
Neste sábado, André Vargas comentou a reportagem pelo Twitter. Absteve-se de falar sobre o desmoronamento do discurso que pronunciara da tribuna da Câmara. a respeito da chantagem, escreveu: "Atribuir a mim ameaças contra valorosos companheiros é pura ilação. Sou o único responsável pelos meus atos e vou provar inocência."
Por meio de nota, Paulo Bernardo negou que houvesse intermediado contratos do grupo Schahin com a Petrobras. "Conheci executivos do grupo há muitos anos. Não me lembro de nenhum encontro ou contato telefônico com nenhum desses executivos nos últimos cinco anos, pelo menos. Acredito que a senadora Gleisi nem os conheça."
Quanto à agência Heads, Paulo Bernardo disse conhecer o dono, Cláudio Loureiro. Mas nega ter negócios com ele. "Tenho relação muito cordial com ele. Com a Heads, não tenho relação", disse Paulo Bernardo. Acrescentou: Loureiro "nunca nos prestou serviços como agência e não tenho informações ou envolvimento com os negócios da empresa dele. Não tive influência nenhuma a respeito de contratos da empresa dele com o governo federal".
De resto, Bernardo declarou ter encontrado o doleiro Youssef uma única vez. "Como deputado federal, fui membro da CPI do Banestado, que investigou o caso. E participei de sessão para ouvir o senhor Youssef. A audiência foi realizada em Curitiba".
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.