Na crise da Petrobras, Dilma dispensa oposição
Josias de Souza
24/04/2014 04h53
Na crise da Petrobras, Dilma declarou guerra a si mesma. Começou a cair do cavalo ao informar em nota oficial que, se não tivesse sido induzida a erro pelo parecer "falho" de Nestor Cerveró, aquele ex-diretor indicado por PT e PMDB, ela não teria avalizado a ruinosa compra da refinaria de Pasadena, no Texas. Aproveitando-se do sincericídio da presidente, a oposição decidiu, para surpresa geral, se opor.
Nas últimas semanas, à medida que o enrosco crescia, a frase da peça de Shakespeare foi sofrendo ajustes e adaptações. Até que, acuada por um pedido de CPI, Dilma gritou "qualquer coisa por um reino!", atraindo o auxílio do pseudoaliado Renan Calheiros, padrinho de patrióticas nomeações na Petrobras.
Em estratégia endossada pelos ministros palacianos Aloizio Mercadante e Ricardo Berzoini, Renan torturou a Constituição e o regimento do Senado para ajudar o PT a enfiar dentro do caldeirão da CPI o cartel do metrô de São Paulo e o porto pernambucano de Suape. Dirigindo-se a Renan, o senador Pedro Taques reagiu à desfaçatez armado de ironia: "Vossa Excelência está misturando avestruz com lobisomem."
Depois, em conversa com o repórter, Taques refinaria o chiste: "Só existe uma possibilidade de juntar o cartel de São Paulo e a Petrobras numa mesma CPI: é preciso demonstrar que a estatal enviou petróleo para a refinaria de Pasadena, no Texas, utilizando as linhas do metrô de São Paulo. Se isso tiver acontecido, os fatos são conexos."
Conforme noticiado aqui há 21 dias, a tática do governo era um fiasco esperando para acontecer. Julgamento realizado pelo STF em 25 de abril de 2007 desautorizava a esperteza urdida por Renan. Em decisão unânime, os ministros do Supremo haviam deliberado que os pedidos de CPI, quando formulados corretamente, devem ser acatados sem questionamentos. Escorou-se o veredicto no parágrafo 3º do artigo 58 da Constituição. Diz o seguinte:
"As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros [27 senadores e/ou 171 deputados], para a apuração de fato determinado e por prazo certo…"
Atendidas as três exigências constitucionais (apoio de um terço, fato determinado e prazo definido), "a maioria legislativa não pode frustrar o exercício, pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional, do direito público subjetivo, que lhes confere a prerrogativa de ver efetivamente instaurada a investigação parlamentar", anotou o ministro Celso de Mello, redator do acórdão que resumiu a decisão de 2007.
No despacho da noite passada, divulgado às 22h, Rosa Weber ecoou a sentença de sete anos atrás. Mandou "suspender" o ato que submeteu "à deliberação da maioria do Senado o requerimento da CPI da minoria". Determinou que seja instalada a CPI "com o objeto restrito" à Petrobras, sem os penduricalhos. Se quiser investigar encrencas que constrangem os antagonistas de Dilma, o Planalto terá colocar em pé outras CPIs.
Conduzida por Renan e Cia. ao mato sem cavalo em que se encontra, Dilma foi aconselhada a adotar providências que podem aproximá-la um pouco mais de Ricardo 3º. Contando com uma improvável revisão da liminar de Rosa Weber no plenário do STF, o governo cogita orientar os partidos aliados a não indicar representantes para a CPI, retardando a instalação. É tudo o que deseja a oposição.
Com o discreto apoio do PMDB, a oposição aprovou na Câmara novas oitivas de quatro petro-personagens: Graça Foster, José Sérgio Gabrielli, Nestor Cerveró e até Guido Mantega. A decisão do STF não altera a disposição de ouvi-los, diz o líder do DEM, Mendonça Filho. O governo ajuda seus rivais a esticar o espetáculo dos protagonistas da crise se entredevorando em público. Dilma ainda não se deu conta. Mas o custo político de sua inabilidade pode não compensar o teatro.
Se continuar errando assim, Dilma não precisará da ajuda da oposição para despertar na plateia aquele instinto selvagem que faz com que o pequeno grupo palaciano que manda em tudo seja trocado periodicamente —exceto o PMDB de Renan, que continua.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.