‘Boa parte da assessoria de Marina puxa baseado’, diz pré-candidato da Rede
Josias de Souza
25/04/2014 06h14
O sociólogo Mateus Prado se autodefine como "um dos educadores mais influentes do Twitter." Neste sábado, ele testará sua influência fora da internet, numa convenção da Rede Sustentabilidade. Irá ao encontro como um dos pré-candidatos da agremiação de Marina Silva ao governo de São Paulo. Há três dias, Mateus foi sabatinado por correligionários. Cometeu inúmeras sinceridades. Uma delas pode ser assistida no vídeo acima.
Instado a dizer o que pensa sobre a maconha, ele evocou um comentário feito por Marina Silva em julho do ano passado. Ao participar de um debate em São Paulo, ela dissera que "pelo menos 70%" da Rede era a favor descriminalização do aborto, da legalização da maconha e da união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Mateus afirmou que, em relação à droga, a estimativa de Marina "foi chute". Pelas suas contas, "mais de 90% da Rede é a favor" da descriminalização da maconha. Até aí, nada de extraordinário. Até o grão-tucano Fernando Henrique Cardoso já atravessou esse Rubicão. A própria Marina, evangélica, defendera na sucessão de 2010 a realização de um plebiscito.
Mas Mateus Prado levou sua franqueza às fronteiras do paroxismo ao revelar que a relação dos auxiliares de Marina com a maconha não é meramente teórica. "Boa parte da assessoria dela puxa um baseado", ele fez questão de acrescentar, num desafio à serenidade da líder da Rede e ao conservadorismo do eleitorado de São Paulo.
"Isso não tem nada demais, porque não faz mal", Mateus tentou amenizar. "O uísque faz muito pior do que a maconha. Nós temos que tratar isso como política de Estado de saúde." Confundiu-se ao dizer que é necessário "tirar a responsabilidade do traficante". Em verdade, quis dizer que convém aliviar a punição do usuário da droga. Defendeu, de resto, que o Brasil imite Portugal, onde se desenvolve o que chamou de "a melhor política" nessa área.
A exemplo da maioria da Rede, Mateus avalia que, no momento, há duas "coisas certas" a fazer em São Paulo. A primeira é impedir que o presidente estadual do PSB, deputado Márcio França, empurre o partido para dentro da coligação reeleitoral do governador tucano Geraldo Alckmin. A segunda é bloquear a candidatura do próprio França ao governo paulista.
Mateus disse ter ficado "puto" com uma "brincadeira" que França fez com Walter Feldeman, outro pré-candidato da Rede ao Palácio dos Bandeirantes. O mandachuva do PSB estadual dissera que não se opunha à candidatura de Feldman, desde que disputasse a vaga de candidato com ele na convenção do PSB.
"Eu fiquei puto quando ele falou isso pro Feldman", abespinhou-se Mateus. "Minha vontade é bater no França quando ele fala um negócio desses. Desculpem o temperamento. Não vou bater. Vocês não vão deixar." Noutro trecho da sabatina, a pretexto de reforçar o desapreço que nutre por França, o orador arrancou aplausos da plateia ao pregar a inversão da chapa presidencial do PSB: Marina na cabeça, Campos na vice.
"Eu odeio Márcio França, não queria ser da chapa dele", disse Mateus Prado. "Mas eu posso topar ser vice se o Eduardo Campos topar trocar e ser vice da Marina. Eu topo." Mais adiante, um dos presentes perguntou se o pré-candidato se disporia a liderar um movimento nacional em favor da inversão da chapa. Ao responder, Mateus deu voz à desconfiança que vigora na Rede em relação a Eduardo Campos.
"Eu poderia fazer esse papel também. Mas, se eu estou me propondo a ser candidato a governador para salvar o DNA da Rede, não posos liderar uma coisa que não vai acontecer: a inversão de chapa. Gente, do mesmo jeito que o França é dono aqui, o Eduardo é dono do partido nacionalmente. […] Não vamos ser inocentes. Não vão deixar a Marina ser candidata."
Mateus prosseguiu: "Só se o Eduardo for muito elegante, muito inteligente, muito desprendido, coisas que eu não espero dele. O que eu espero dele, minimamente, é que pelo menos parte do programa ele incorpore no governo, não só no discurso."
Tomado pelo discurso, Mateus Prado seria personagem duro de roer para os amantes de automóvel se um milagre o transformasse em governador de São Paulo. "Nós temos que incentivar a cidade sem carro e ter uma política no Estado de São Paulo bastante agressiva de proibição da utilização do carro."
Mateus disse que, "se fosse prefeito, proibia a entrada de carro em todo o centro expandido de São Paulo." Como seu desafio é tornar-se governador, acha que pode "implementar o rodízio estadual." Para não beneficiar os mais ricos, que têm vários carros, a proibição recairia sobre as pessoas, não sobre as placas dos automóveis. Os motoristas seriam impedidos de dirigir por dois ou três dias na semana. Não é só: o orador defende o fechamento de Congonhas e a inauguração de um novo aeroporto no qual ninguém possa chegar de carro (veja abaixo).
Conforme noticiado aqui, Mateus Prado não é o único pré-candidato que a Rede se dispõe a apoiar. Vencida a etapa da escolha do nome, a turma de Marina terá de convencer o PSB a refugar Alckmin e França para abraçar o seu candidato. Para Mateus, esse é um problema que cabe a Eduardo Campos embalar:
"O único jeito de viabilizar a candidatura é pela [direção] nacional, é botar o problema pro Eduardo Campos. O França nunca vai abrir, porque abrir significa perder os 200, 300 cargos dele [na administração Alckmin]", exagerou o correligionário de Marina. "É o Eduardo Campos quem precisa sofrer esse problema, que nós estamos criando a partir de hoje…".
– Serviço: aqui, para quem interessar possa, a versão ampliada da sabatina de Mateus Prado.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.