Janot vê regalias para os mensaleiros na cadeia
Josias de Souza
08/05/2014 04h54
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao STF parecer sobre o tratamento que os mensaleiros presos em Brasília recebem na cadeia. Anotou que há, sim, elementos capazes de demonstrar que os detentos ilustres são beneficiários de regalias não disponíveis para o resto da população carcerária.
Janot manifestou-se a pedido do ministro Joaquim Barbosa. Presidente do STF e relator do mensalão, ele terá de decidir se adota ou não providências para fazer cessar os privilégios concedidos aos mensalerios. Algo que o governador petista de Brasília, Agnelo Queiroz, nega.
O procurador-geral anotou a certa altura: "As informações prestadas por autoridades da Defensoria Pública, do Ministério Público e do Judiciário, robustecidas por depoimentos formais de internos do sistema prisional local, formam um sólido contexto em que não há espaço para nenhuma cogitação de perseguição à administração prisional. Muito pelo contrário. Há indicativos bastante claros que demandariam uma atitude imediata das autoridades responsáveis.".
Entre as regalias mencionadas por Janot está a alimentação. Evocando os depoimentos de duas testemunhas, o texto sustenta que há "relatos de tratamento diferenciado pelo menos no café da manhã concedido aos condenados da AP 470", nome técnico da ação penal do mensalão. Ficou demonstrado também, segundo o procurador-geral, que dois petistas estiveram com o condenado José Dirceu fora do horário e do calendário de visitação: o governador Agnelo Queiroz e o deputado distrital Chico Vigilante.
Em sua defesa, Vigilante invocara suas prerrogativas de parlamentar para fazer entrar no presídio da Papuda quando quisesse. E Janot: "Nenhuma prerrogativa dispensa o registro de visitação de autoridade de qualquer esfera aos sentenciados. É evidente que essa prerrogativa parlamentar é pertinente ao exercício do mandato, e apenas no interesse público deve ser exercida."
O procurador acrescentou: "De toda sorte, não dispensa os responsáveis pela permissão de acesso às dependências dos estabelecimentos prisionais dos registros correspondentes. Resta claro, e de plano, que os responsáveis pela administração carcerária estão desrespeitando esses normativos."
Instado a apurar as irregularidades, já fartamente noticiadas pela imprensa, o governo de Agnelo Queiroz deu de ombros. Alegou que as irregularidades não foram especificadas no pedido da Vara de Execuções Penais do DF. "Inverossímil, para dizer o mínimo, a alegação da incompreensão sobre as questionadas medidas a serem adotadas para retomada do comando prisional", refutou Janot.
O chefe do Ministério Público Federal também estranhou o "caráter beligerante" de ofício enviado a Barbosa pelo governador Agnelo, em resposta a questionamentos feitos pelo ministro. Para Janot, o timbre de ataque reforça a impressão de que o governo de Brasília não tem a disposição de apurar as regalias.
Na manifestação, o procurador-geral da República conclui que "nunca é demais realçar a necessidade de que a autoridade administrativa tem a obrigação de conferir tratamento isonômico aos apenados que estiverem em idênticas condições de cumprimento de pena, e que a eventual não apuração de faltas administrativas em relação a todos os apenados podem – como cediço – acarretar responsabilidades a quem de direito."
Ao arrematar o parecer, Janot recordou o óbvio: "nunca é demais realçar a necessidade de que a autoridade administrativa tem a obrigação de conferir tratamento isonômico aos apenados que estiverem em idênticas condições de cumprimento de pena, e que a eventual não apuração de faltas administrativas em relação a todos os apenados podem – como cediço – acarretar responsabilidades a quem de direito."
Quer dizer: ou o governo de Agnelo estende os privilégios dos mensaleiros aos outros milhares de presos ou interrompe a anomalia. Vem aí a decisão de Joaquim Barbosa.
– Serviço: aqui, a íntegra do parecer de Rodrigo Janot.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
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