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Em 3 anos, país recebeu mais de 30 mil haitianos, 66% trazidos por coiotes

Josias de Souza

11/05/2014 05h01

Nos últimos três anos, chegaram ao Brasil pelo menos 32.196 refugiados, a maioria haitianos. Apenas 10.906 (33,9%) portavam vistos emitidos por embaixadas brasileiras. A grossa maioria, 21.290 (66,1%), foi trazida por coiotes e cruzou ilegalmente a fronteira que separa a cidade peruana de Iñapari do município brasileiro de Assis Brasil, no Acre. Entre os imigrantes ilegais, destacam-se duas nacionalidades: 19.430 (91,2%) vieram do Haiti; 1.628 (7,6%), do Senegal.

Os números são oficiais. Foram providos pelo governo do Acre e pelas embaixadas do Brasil no Haiti e nos dois países que os coiotes transformaram em rota de tráfico de haitianos: Equador e Peru. A análise das estatísticas ajuda a entender como a omissão do governo brasileiro produziu a crise que intoxicou as relações dos governadores Tião Viana (PT), do Acre, e Geraldo Alckmin (PSDB), de São Paulo.

Durante todo o ano de 2010, chegaram a Assis Brasil 33 haitianos sem visto. A média mensal era, então, inferior a 3 pessoas. Fugiam do terremoto que devastara o Haiti, produzindo ruína e 250 mil cadáveres. Desde então, o número de haitianos que buscam uma vida menos miserável no Brasil não para de crescer.

Em 2011, chegaram ao Acre 2.225 refugiados, pouco mais de 185 por mês. Em 2013, chegou-se a um cenário de porta arrombada. Entraram na pequena Brasiléia, vindos de Assis Brasil, 960 refugiados por mês, totalizando 11.524 pessoas no ano. Em 2014, atingiu-se o descalabro. Nos quatro primeiros meses do ano, os coiotes traficaram para dentro do Acre impressionantes 6.329 refugiados. Agora, a média mensal é de 1.582 pessoas.

Conforme já noticiado aqui, a chegada maciça de imigrantes ilegais, sobretudo haitianos, converteu-se em crise graças a uma sequência de erros do governo federal. O Brasil fez pose de nação humanitária. Mas absteve-se de providenciar acomodações adequadas e uma estratégia capaz de levar à inserção produtiva dos imigrantes na sociedade brasileira. O excesso de improviso resultou numa crise desnecessária entre dois Estados e num problema social.

Entre 2010 e 2013, o acolhimento dos haitianos e demais imigrantes ilegais custou às arcas do Acre, um dos Estados mais pobres da federação, R$ 4,1 milhões. Ao perceber que torrava dinheiro acriano numa encrenca federal, o governador Viana pediu socorro a Brasília, que passou a ajudar no fechamento da conta. Até dezembro de 2013, as verbas federais repassadas ao Acre somavam R$ 4,3 milhões —dinheiro dos orçamentos do Ministério do Desenvolvimento Social, da Presidência da República e da Defesa Civil, órgão da pasta da Integração Nacional.

A rota que desemboca no Acre tornou-se um negócio seguro e rentável para os coiotes. Eles cobram algo entre US$ 3 mil e US$ 4 mil para trazer os haitianos e seus congêneres até o Brasil. Além de não ser molestados pela Polícia Federal, os coiotes vendem à sua desafortunada clientela a hospitalidade brasileira. Ao chegar às portas do Acre, os criminosos, por assim dizer, transferem suas vítimas ao Estado. Que se vê na contingência de fornecer abrigo, três refeições diárias, um protocolo de refúgio da Polícia Federal e, no caso dos adultos, um CPF e uma carteira de trabalho.

Dos 10.906 imigrantes que conseguiram escapar dos coiotes, 8.902 saíram do Haiti com vistos emitidos pela embaixada brasileira em Porto Príncipe. Os demais obtiveram seus vistos pelo caminho —2.001 na embaixada brasileira em Quito, no Equador; e três em Lima, no Peru.

Quanto aos 21.290 ilegais que chegaram pelo Acre, não mais do que 50 optaram por fixar residência no Estado. Os demais vêm sendo despachados para outros pedaços do mapa brasileiro. Os destinos mais comuns são: Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Cuiabá e Porto Velho. Alguns saíram contratados por 66 empresas que enxergaram na encrenca uma oportunidade para obter mão de obra barata. Mas esse contingente constitui uma minoria.

A grossa maioria é embarcada em ônibus providenciados pelo governo do Acre e enviada para um futuro de incertezas. É assim desde 2010. A diferença é que agora há mais passageiros. Nesta sexta-feira (9), apertavam-se no abrigo montado em Rio Branco 549 refugiados. Foram embarcados para São Paulo mais 101. Ficaram para trás 448, à espera da emissão do protocolo de refúgio da PF. E nem sinal de algo que possa ser chamado de solução. Em verdade, Dilma Rousseff e sua turma passam a impressão de que ainda não enxergaram nem o problema.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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