Decisão de Teori expõe perfil lotérico da Justiça
Josias de Souza
19/05/2014 21h25
Ao mandar soltar os 12 presos da Operação Lava Jato e suspender os oito inquéritos decorrentes da investigação, o ministro Teori Zavascki, do STF, escancarou uma das faces mais perturbadoras da Justiça: o seu perfi lotérico. Fica-se com a impressão de que aquela senhora da estátua ficou velha. Em vez da espada, segura uma agulha. Meio tantã, faz tricô com o novelo de suas próprias contradições.
Provocado pela defesa de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Teori Zavascki decidiu levar o pé ao freio por entender que o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, invadiu o terreiro do Supremo. No miolo da encrenca estão três deputados federais mencionados na operação policial: André Vargas (ex-PT-PR), Luiz Argôlo (SDD-BA) e Cândido Vaccarezza (PT-SP).
Donos de mandatos eletivos, os deputados só podem ser investigados e processados no STF. Ciente disso, o juiz Moro determinou à PF e à Procuradoria o desmembramento da investigação, enviando para Brasília os achados referentes aos parlamentares. E seguiu em frente.
No seu despacho, Zavascki reconheceu: a jurisprudência mais recente consagra a linha segundo a qual o STF julga apenas os detentores de prerrogativa de foro. Os outros acusados devem ser processados na primeira instância do Judiciário. Porém, escorando-se em decisões pretéritas de dois colegas, o ministro argumenta que caberia ao STF, não ao doutor Mouro, decidir sobre "os contornos" do desmembramento.
Corta para o Caso Demóstenes Torres. Em março de 2012, o ministro Ricardo Lewandowski determinou a abertura de inquérito para investigar a ligação do então senador do DEM com a quadrilha de Carlinhos Cachoeira. Quebrou inclusive o sigilo bancário do investigado.
Advogado de Demóstenes, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, sustentou na época que as provas recolhidas contra Demóstenes eram "ilegais". Por quê? Segundo ele, a PF grampeara o então senador desde 2008, sem autorização do STF. A Procuradoria e a PF alegaram que investigavam Cachoeira, não Demóstenes. Nessa versão, a polícia escutou a voz do senador nos grampos graças a "um encontro fortuito". É precisamente o que alega agora o juiz Sérgio Moro em relação a Vargas, Argôlo e Vaccarezza. Investigava-se o doleiro Alberto Youssef, não os parlamentares.
No caso Demóstenes, um ministro do Supremo mandou um então senador à grelha sem bulir com o pedaço da investigação que corria na primeira instância contra Cachoeira e sua quadrilha. No Caso Lava Jato, outro ministro do mesmo STF abre as cadeias e suspende todos os inquéritos antes mesmo de se debruçar sobre os indícios contra deputados.
Há quatro meses, em fevereiro, outro ministro do STF, Marco Aurélio Mello, decidiu uma questão análoga relacionada ao caso do cartel que fraudou licitações do metrô e trens de São Paulo. O ministro decidiu que responderiam às acusações no STF apenas os detentores de mandatos, três deputados federais aliados do governador tucano Geraldo Alckmin. Não interrompeu o trabalho que a Justiça Federal realiza na capital paulista nem avocou para Brasília a íntegra dos inquéritos envolvendo outros acusados. De novo: casos similares, soluções diferentes.
A velha tantã já havia espetado sua agulha noutros processos. No mensalão do PT, decidira que o STF deveria julgar todo mundo, com ou sem mandato. No mensalão do PSDB mineiro, optara por devolver ao primeiro grau da Justiça, em Belo Horizonte, a responsabilidade pelo julgamento dos réus sem mandato. Mantivera na grelha do Supremo apenas o ex-deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e o senador Clésio Andrade (PMDB-MG). Na bica de ser julgado, Azeredo aproveitou-se desse entendimento e fugiu da sentença pela porta da renúncia.
Afora a insegurança jurídica que o vaivém provoca —o caso Lava Jato pode ficar para as calendas— fica a impressão de que a velha é tão cega quanto a senhora da estátua. Mas que olfato!
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
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