Câmara ameaça conselhos populares de Dilma
Josias de Souza
08/06/2014 02h49
Em conversa com o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil), o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, sugeriu que o governo converta em projeto de lei o decreto que obriga todos os órgãos federais a submeterem decisões a conselhos com representantes da "sociedade civil". Do contrário, alertou o deputado, Dilma Rousseff se arrisca a ver o seu decreto derrubado no plenário da Câmara.
Sob o número 8.243, o decreto foi assinado pela presidente há duas semanas, em 23 de maio. Provocou reações instantâneas no Congresso, a instância que, numa democracia representativa como a brasileira, deveria representar a sociedade. Líder do DEM, o deputado pernambucano Mendonça Filho apresentou um projeto de decreto legislativo que, se aprovado, revoga o decreto de Dilma.
No contato com Mercadante, Henrique Alves informou que, na falta de um entendimento, levará a proposta do DEM à pauta de votações. Disse que não são negligenciáveis as chances de a peça ser aprovada. "Hoje, a resistência ao decreto não se limita aos partidos de oposição", afirmou Henrique ao blog.
Mendonça Filho recolheu assinaturas de líderes partidários num 'requerimento de urgência'. Em poucos dias, rubricaram a peça representantes de dez partidos: DEM, PSDB, PPS, SDD, PV, PSD, PSB, Pros, PR e PRB. Na semana passada, também o PTB aderiu ao pedido de urgência.
Por sugestão do deputado paranaense Rubens Bueno, líder do PPS, as legendas oposicionistas planejam obstruir as votações na Câmara enquanto a proposta que revoga o decreto de Dilma não for levada ao plenário. Equipam-se para iniciar o bloqueio na terça-feira (10).
O que mais incomodou no decreto de Dilma foi a amplitude. Criou-se uma "Política Nacional de Participação Social". Prevê que todos os órgãos da administração direta ou indireta terão de pendurar nos seus organogramas uma nova instância decisória: os conselhos de políticas públicas, formados por representantes da sociedade civil.
Ao definir o conceito de sociedade civil, o decreto anotou: "o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações".
E quanto à definição de conselho de política pública? Diz o decreto de Dilma: é uma "instância colegiada temática permanente, instituída por ato normativo, de diálogo entre a sociedade civil e o governo para promover a participação no processo decisório e na gestão de políticas públicas."
Na prática, diz Mendonça Filho, serão nomeados para os tais conselhos os cupinchas do PT nos movimentos sociais e nos sindicatos. Além de atropelar o Congresso, prossegue o líder do DEM, o decreto de Dilma transpõe para a administração pública um vício do petismo: o assembleísmo. "Isso vai amarrar os órgãos públicos", diz o deputado.
Numa referência ao regime inaugurado por Hugo Chávez na Venezuela, a oposição tacha o decreto de Dilma de "bolivariano". Henrique Alves não endossa esse pedaço da crítica. Mas faz duas restrições ao decreto presidencial. Acha que o governo falhou na forma e no senso de oportunidade.
Para corrigir o primeiro defeito, Henrique sugere que o decreto vire um projeto de lei, que seria amplamente debatido antes de ser votado por deputados e senadores. Com isso, seria sanado também o segundo pecado, que é a pressa injustificada.
Henrique Alves diz não ver sentido na supressão do debate legislativo. Por uma razão singela: a quatro meses da eleição presidencial, que decisões ou programas o governo pretenderia submeter à análise dos conselhos de políticas públicas?
Na última quinta-feira (5), discursando para ministros e empresários no Planalto, Dilma defendeu o seu decreto. Afirmou que é "a favor da consulta, a favor da participação", a favor de ouvir "todos os segmentos", porque "muitas cabeças pensam mais do que a cabeça do Executivo."
Segundo Dilma, os conselhos populares não invadem atribuições do Congresso. "São papéis diferentes. O Legislativo apoia, aprova o corpo [das políticas públicas]. E de onde a gente tira todas as características do corpo? A gente tira de uma consulta à sociedade." Hummmm!
Num instante em que os índices de Dilma nas pesquisas eleitorais sofrem uma erosão, o lero-lero dos conselhos tem cheiro de resposta atrasada às ruas de junho de 2013. Parece mais politicagem do que política pública.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.