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Chávez usou Brasil para enviar forças à Bolívia

Josias de Souza

06/07/2014 04h48

Documento confidencial do Ministério da Defesa revela parte de uma história que o governo brasileiro acobertava desde 2007. Aviões da Força Aérea da Venezuela cruzaram os céus do Brasil transportando soldados e veículos militares para a Bolívia. Enviado pelo então presidente Hugo Chávez, o reforço venezuelano foi empregado na repressão a opositores do colega boliviano Evo Morales. Quando tomou conhecimento do que sucedia em seu espaço aéreo, o Brasil, à época sob Lula, agiu para abafar o caso.

Deve-se a informação ao repórter Duda Teixeira. Em notícia veiculada por Veja, ele traz à luz o conteúdo do "Relatório nº 002" do Departamento de Inteligência Estratégica, órgão vinculado a uma secretaria do Ministério da Defesa. Datada de 7 de maio de 2008, a peça traz grafada no alto, em vermelho, o aviso de "confidencial". Integra o pacote de 397 arquivos surrupiados por hackers numa invasão ao sistema de e-mails do Itamaraty, no último mês de maio.

O texto relata detalhes de visita que uma comitiva chefiada pelo então ministro Nelson Jobim (Defesa) fez à Venezuela nos dias 13 e 14 de abril de 2008. Segundo o documento, Jobim e os militares que o acompanhavam reuniram-se na manhã do dia 14 na casa do embaixador do Brasil em Caracas, Antônio José Ferreira Simões. Foi uma reunião preparatória para um encontro de Jobim com o então chanceler Nicolás Maduro, hoje presidente da Venezuela.

A certa altura, informa o papelório confidencial, o general Augusto Heleno, na época comandante militar na Amazônia, indagou aos participantes da reunião se tinham conhecimento do vaivém de aviões Hercules C-130, que levavam soldados da Venezuela à Bolívia. O embaixador Antônio Simões soou assim: "Uma denúncia brasileira de presença de tropas venezuelanas na Bolívia pode piorar a situação". Nessa época, o governo Evo Morales enviava soldados para reprimir opositores em Pando, Estado boliviano assentado na fronteira com o Acre.

"Há presença não apenas de venezuelanos na Bolívia, mas também de cubanos, com interesse operacional", acrescentou o general Heleno. Presente à conversa na casa do embaixador brasileiro em Caracas, o tenente-brigadeiro Gilberto Burnier, declarou que a Venezuela fez 114 voos. Segundo ele, a carga era camuflada. Sua frase foi reproduzida no documento assim: "Informavam que transportavam veículos comerciais, porém foi visto que transportavam viaturas blindadas para transporte de pessoal (VBTP) e outras viaturas militares".

Quer dizer: o regime bolivariano de Chávez ludibriava deliberadamente as autoridades brasileiras. A despeito disso, o ministro Jobim não se deu por achado. Mais tarde, no encontro com os venezuelanos, Jobim sugeriu a criação de um corredor aéreo para "sacar da agenda esse problema." Foi o primeiro passo para abafar um caso que, em condições normais, exigiria providências enérgicas do Brasil, cuja legislação proíbe o transporte aéreo de material bélico sem prévia autorização.

O encaminhamento proposto por Jobim foi respaldado por Lula. Em agosto de 2008, o Diário Oficial publicou memorando prevendo que a Venezuela passaria a pedir autorização para cruzar o espaço aéreo brasileiro. Um mês depois, um confronto aberto entre as forças de Evo Morales e seus opositores resultou na morte de mais de 15 pessoas em Pando. Na época, os adversários do governo da Bolívia acusaram a presença de venezuelanos entre os agentes da repressão.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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