Ministra do Bolsa Família compara bolsas de FHC a um 'monte de farelinhos'
Josias de Souza
02/08/2014 05h27
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Responsável pelo Bolsa Família, a ministra petista Tereza Campello (Desenvolvimento Social) celebra como uma "vitória" a unanimidade que se formou em torno do programa. "As pessoas não terem coragem de falar contra o Bolsa Família é uma prova de que ele deu certo", disse. Em entrevista ao blog, ela revelou-se incomodada com a tese difundida pelo tucanato segundo a qual o programa de transferência de renda deflagrado sob Lula teve origem nas bolsas herdadas de Fernando Henrique Cardoso.
Integrante do grupo de trabalho que formulou o Bolsa Família, em 2003, Teresa reconhece: "Quando assumimos o goveno, já existiam alguns programas." Havia o Bolsa Educação, o Bolsa Escola e o Vale Gás. Mas eram "muito tímidos, muito mal organizados e feitos há muito pouco tempo", afirmou a ministra. Ao rememorar as decisões tomadas sob Lula, Tereza desqualificou as bolsas de FHC: "O que nós fizemos? Não queremos esse monte de farelinho que não chegava a R$ 1 bilhão. Queremos um programa que tenha consistência."
A ministra insinuou que as bolsas tucanas tinham motivação subalterna. Miravam as urnas de 2002, não a transferência de renda aos brasileiros em situação de penúria. Foram criadas no ocaso da gestão FHC, entre abril e dezembro do ano pré-eleitoral de 2001. Tereza realçou que o Vale Gás, "um dos programas que a gente juntou [na lei 10.836], para criar o Bolsa Família", só veio à luz no último dia útil de 2001, 28 de dezembro.
"Por que não foi criado em janeiro de 2002? Porque a Lei de Responsabilidade Fiscal proibia. Era ano eleitoral. Não poderia ter sido criado. Então, cria no último dia do ano. E se constroi esse programa ao longo do período eleitoral, não como um programa de transferência de renda, mas uma compensação, porque o preço do gás estava alto. O Bolsa Escola foi criado também no ano que antecedeu as eleições. Também não tem histórico."
Hoje, o Bolsa Família tem orçamento de R$ 24,7 bilhões. Tereza comparou: "Se você pegar o conjunto das transferências de renda de 2001, não chegam a R$ 1 bilhão, a preços de hoje. E chegavam a muito pouca gente. Na nossa avaliação foram criados muito tarde, eram um monte de programas distribuídos em vários ministérios. Então, não tinha a eficácia da gestão."
Os presidenciáveis Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), os dois principais antagonistas de Dilma Rousseff na sucessão deste ano, acusam o PT e seus aliados de usar o Bolsa Família como peça de "terrorismo eleitoral". Alardeiam que, eleitos, ambos passariam na lâmina o orçamento do programa. O repórter perguntou à ministra se ela compartilha da tese de que há terrorismo. Ela levou o pé atrás.
Ecoando suspeitas alimentadas por seu partido, o PT, Tereza Campello deu a entender que o debate sobre os riscos a que estariam submetidos os programas sociais é justificado pelo histórico do governo tucano de FHC. "Durante muito tempo, as políticas sociais foram tratadas no Brasil como gasto fiscal. Quando é para entrar com alguma variável de ajuste, o que é a primeira coisa a ser cortada? […] Servidor público e política social. Então, o debate, eu acho que também tem a ver com o fato de as pessoas saberem desse histórico."
A ministra acrescentou: "Tem um monte de gente dizendo: o Estado precisa diminuir, precisamos cortar gastos, porque o Estado está gastando muito. E sempre se cortou gasto social. Nós não somos os primerios a governar esse país. AIiás, nós só estamos governando há 12 anos. E nunca cortamos gasto social. É a tradição no país no período recente, anterior ao nosso." No dizer da ministra, "a sociedade brasileira está vacinada, felizmente, contra neoliberalismo."
Afinada com o discurso de Dilma, Tereza insinua que a oposição diz coisas definitivas sem definir muito bem as coisas. "Continua dizendo que o Estado precisa diminuir. Diminuir onde? Essa é a pergunta que tem que ser feita. Ah, tem que diminuir ministério. Quantos ministérios vai diminuir para conseguir reduzir o tamanho do gasto que se diz que vai reduzir. Vai acabar com o MDS [Ministério do Desenvolvimento Social]? Tem que dizer de onde vai sair o corte. Isso gera uma dúvida na sociedade."
Como vacina contra o "terrorismo social", Aécio e Campos divulgaram propostas que, segundo afirmam, aperfeiçoam o Bolsa Família. Tereza pega em lanças contra todas elas. Assistindo aos vídeos da entrevista, lá no alto, você descobrirá as razões. Neles, a ministra fala também sobre a meta que Dilma se autoimpôs de superar a extrema pobreza ainda em 2014, comenta os valores irrisórios que o governo repassa às prefeituras para ajudar no custeio da alimentação das crianças em creches e na pré-escola e afirma que não é possível prever em que ano o Bolsa Família deixará de ser necessário.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.