Atraso de obras aproximam PAC da quiromancia
Josias de Souza
03/08/2014 08h31
Isso sim é que é governo eficiente. Ele mesmo planeja as obras, ele mesmo atrasa o cronograma, ele mesmo se desculpa, ele mesmo refaz o calendário, ele mesmo finge que não é com ele. Vendida por Lula em 2010 como "mãe do PAC", Dilma Rousseff chega a 2014 com cara de madrasta. Criou uma torturante metodologia de trabalho.
Funciona assim: anuncia-se em 2007 o PAC 1, ambicioso programa de obras orçado em R$ 503 bilhões. Em 2011, lança-se o PAC 2, enfia-se dentro dele todos os empreendimentos atrasados do PAC anterior e eleva-se o orçamento para R$ 955 bilhões.
Em 2014, descobre-se que, dos 101 projetos que deveriam ser inaugurados neste ano, 27 não ficaram prontos e 4 foram abandonados. Mas isso não tem a menor importância porque vem aí o PAC 3, com cronogramas e planilhas de preços novinhos em folha.
De todos os vexames, o mais eloquente é a transposição do Rio São Francisco. Lula prometera cortar a fita em 2010. Em dezembro daquele ano, a 17 dias de passar a faixa presidencial para Dilma, ele vistoriou a encrenca. "Estou percebendo que a obra vai ser inaugurada definitivamente em 2012, a não ser que aconteça um dilúvio…"
Em dezembro de 2012, o então ministro Fernando Bezerra (Integração Nacional) foi chamado a se explicar no Senado. Verteu um dilúvio de desculpas: houve falhas no projeto básico, abandono de canteiros por algumas empresas, fragmentação dos contratos e dificuldades para desapropriar terras. "Não faltou planejamento nem gestão", disse ele. "É porque é complicado, mesmo com projetistas do mais alto quilate técnico."
Há dois meses e meio, a próprioa Dilma voltou ao canteiro do São Francisco. Resumiu assim o fiasco do cronograma: "A gente começou bastante inexperiente, e houve uma subestimação. Em nenhum lugar do mundo em dois anos é feita uma obra dessa dimensão. Ela é bastante sofisticada, leva um tempo de maturação. Houve atraso porque se superestimou a velocidade que ela poderia ter, minimizando a complexidade."
Ministra, Dilma avalizara um orçamento de R$ 4,8 bilhões. Presidente, viu o custo saltar para R$ 8,4 bilhões. Hoje, concorre à reeleição prometendo a inauguração para 2015. Na hipótese de não ser reconduzida ao cargo, já pode abrir uma banca de quiromancia: Casa da Mãe Dilma.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.