Dilma leva à propaganda cão herdado de Dirceu
Josias de Souza
21/08/2014 04h39
Em junho de 2005, cerca de 50 horas depois de Roberto Jefferson ter dito "rápido, sai daí rápido, Zé", José Dirceu deixou a Casa Civil da Presidência, para defender-se da acusação de chefiar o esquema do mensalão. Assumiu a vaga Dilma Rousseff, chamada por ele na cerimônia de posse de "camarada de armas e companheira de luta". Além do cargo, Dilma herdou de Dirceu uma residência oficial na Península dos Ministros, à beira do Lago Paranoá, e um cão chamado Nêgo, da raça labrador.
Mais gordo, Nêgo foi levado ao ar no trecho em que o marqueteiro João Santana tentou suavizar a imagem de durona da candidata. Apresentou-a como mulher que "tenta aproveitar qualquer tempinho que resta para ter uma vida normal, como qualquer pessoa." Essa Dilma de videoclipe "lê e escreve muito."
A presidenta também "gosta de cozinhar". Aparece na propaganda picando legumes e manuseando uma travessa de macarrão. Faz isso com muito garbo, elegantemente vestida, sem avental, no melhor estilo Ana Maria Braga. Súbito, a locutora informa que Dilma aprecia "tratar do jardim" do Alvorada, de dimensões amazônicas.
Foi nesse ponto que Nêgo fez sua rápida aparição, caminhando ao lado de Dilma na área externa do palácio residencial, que a "camarada de armas" do seu ex-dono "cuida como qualquer dona de casa." Ao lado de um tronco de árvore, uma Dilma serena ensina, em mineirês: "Ocê não pode se abater por uma dificuldade. Todo dia ocê tem de matar um leão. E, de uma certa forma, subir e descer o Evesrest. Todo dia…"
Para tranquilidade do labrador, quem morre no adágio popular evocado por Dilma é o leão. Se o talento de João Santana conseguir reduzir a taxa de rejeição da inquilina do Alvorada e elevar o índice de aprovação do governo dela, Nêgo usufruirá da hospedagem palaciana por mais quatro anos. O ex-dono não teve tanta sorte.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.