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Agenda secreta de Dilma: combate à corrupção

Josias de Souza

28/09/2014 04h42

Os críticos de Dilma Rousseff podem estar sendo injustos. Talvez ela enxergasse o combate à corrupção como uma prioridade do Brasil desde a primeira mamada. É provável que o fim da impunidade fizesse parte de sua agenda secreta já na época em que foi a faz-tudo do governo Lula. Só ficou de braços cruzados durante quase 12 anos por esperteza. Queria saber do que o PT e seus aliados eram capazes. Queria ver até onde deixariam o melado escorrer.

Neste sábado, com o melado a roçar-lhe o bico do sapato, Dilma detalhou na propaganda eleitoral um pacote anti-corrupção que decidiu desembrulhar oito dias antes da eleição. Disse que vai mandar para o Congresso um lote de projetos —um, dois, três, quatro, cinco projetos de lei. "Representam um passo decisivo no combate à impunidade", disse Dilma, "pois ela é um mal do qual a corrupção e os crimes financeiros se alimentam."

Dilma sonha com "processos e julgamentos mais rápidos." Ela deseja "punições mais duras." Ambiciona "eliminar certos procedimentos que permitem que processos e julgamentos atrasem indefinidamente em nosso país." Não se conforma com a evidência de que "os poderosos sempre encontram trincheiras ou rotas de fuga para se proteger." A presidente não mencionou, talvez para não assustar as crianças, mas ainda há poderosos entrincheirados até na Petrobras.

Desde que assumiu a Presidência, em janeiro de 2011, Dilma vinha adotando um comportamento esquisito. Deduz-se agora que ela apenas disfarçava seu verdadeiro intento, que sempre foi combater a corrupção e acabar com a impunidade. Não mencionava a intenção de enviar os projetos ao Congresso por receio de alertar os inimigos, vários deles fantasiados de aliados. Em terra de cego, ensina o comportamento de Dilma, quem tem um olho não revela.

Pouca gente notou, mas Dilma já vinha operando uma profunda mudança nos costumes políticos. Seus antecessores suavam para produzir escândalos. Ela incorporou à sua gestão escândalos que vieram do governo Lula prontos. No primeiro ano de sua administração, varreu da Esplanada sete prontuários.

Um ano e meio depois da faxina, sobreveio a segunda fase. Nela, Dilma negociou com os coroneis do lixão partidário a retomada dos ministérios contaminados. Reabilitados, os faxinados Alfredo Nascimento (PR) e Carlos Lupi (PDT) comandaram a reocupação dos respectivos monturos, a pasta dos Transportes e a do Trabalho.

Na sequência, Dilma deflagrou a terceira onda. Que subordinou o interesse público a um projeto pessoal: a reeleição. Observadores menos atentos imaginaram que, em vez de reformar o governo, ela tinha sido reformada. Parou de ostentar o apreço pela moralidade. No episódio mais repugnante, cedeu à chantagem do Partido da República, comandado pelo mensaleiro Valdemar Costa Neto. Trocou 1min15s de propaganda pela cabeça de um ministro.

Por quê? De repente, tudo se esclarece. Dilma tinha o desejo inconsciente de desnudar o presidencialismo de cooptação —como quem desvenda crimes cometendo-os. Cercou-se de auxiliares precários para que eles deixassem as mais espantosas pistas. Tomada por uma irresponsabilidade revolucionária, manteve o agora delator Paulo Roberto Costa na diretoria da Petrobras até 2012 para que ele demarcasse seus erros com cuidado, facilitando o rastreamento.

Dilma disse na propaganda deste sábado que sempre teve "compromisso com a ética na vida pública e com a defesa do patrimônio dos brasileiros." Seu compromisso é "tão sólido", disse um locutor, "que ela levou esse tema à última assembléia geral das Nações Unidas", há três dias, em Nova York.

"Outro valor fundamental é o respeito à coisa pública e o combate sem tréguas à corrupção", discursou Dilma, da tribuna da ONU, buscando os olhos de João Santana. "A história mostra que só existe uma maneira correta e eficiente de combater a corrupção: o fim da impunidade." Se obtiver o segundo mandato, Dilma decerto nomeará auxiliares decentes. Para demonstrar que fala sério, deveria enviar ao olho da rua os ministros, assessores e dirigentes da Petrobras que dão ao Brasil essa aparência incômoda de Maranhão hipertrofiado, esse jeitão de Grande Alagoas.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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