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Debate: Aécio supera Marina e Dilma se protege

Josias de Souza

03/10/2014 08h07

Confira trechos do último debate entre os presidenciáveis

Eis o resumo do debate presidencial promovido pela Globo: energizado pelo Datafolha que o recolocara horas antes na briga por uma vaga no segundo turno, Aécio Neves saiu-se melhor do que Marina Silva. Dilma Rousseff cumpriu tabela. E Luciana Genro, destaque do pelotão de 'nanicos', esforçou-se para mostrar à platéia que Aécio, Marina e Dilma não têm telhado de vidro. Para a candidata do PSOL, os presidenciáveis mais bem-postos na disputa têm paletó de vidro, gravata de vidro, blusas de vidro, calças de vidro, calcanhares de vidro…

Dos cinco debates ocorridos no primeiro turno, o da noite passada foi o mais eletrizante. O tema central tem a idade das caravelas: corrupção. Sitiada, Dilma deu as respostas padronizadas que seu marqueteiro formulou. São 100% feitas de hipocrisia. Mas as pesquisas indicam que pelo menos 40% do eleitorado já engoliu a versão segundo a qual Dilma é parte da solução, não do problema.

Marina chegou sorridente. Mas seu riso duraria pouco. Atacada por Dilma, Aécio e Luciana Genro, ela crispou o cenho. Revelou-se uma debatedora menor do que os ressentimentos que colecionou durante a campanha. Rodopiando em torno dos estereótipos fabricados pela central de demolição petista, Marina perdeu duas de suas melhores qualidades: a serenidade e a objetividade.

A substituta de Eduardo Campos parece ter perdido também o bom senso. Há dois dias, ao discursar para aliados, repetira três vezes a frase: "Nós já estamos no segundo turno." Durante o debate, pendurou em sua retórica uma promessa que denuncia o grau da sua insegurança:

"Nós temos uma proposta que é de dar o 13º salário para aquelas pessoas que hoje recebem o Bolsa Família, porque a pior coisa que tem é chegar no Natal e não ter como sequer dar uma ceia para os seus filhos. Nós, no nosso governo, vamos dar o 13º salário para o Bolsa Família, que isso vai melhorar a condição de vida das pessoas." José Serra prometera a mesma coisa em 2010. Flertou com o ridículo.

Aécio, ao contrário de Marina, escapou dos velhos alçapões construídos pelo petismo para capturar tucanos. Dilma sacudiu o lençol do fantasma das privatizações. Ela repetiu que o tucanato quebrou o Brasil três vezes. Pintou os governos tucanos com cores demofóbicas. Disse cobras e lagartos de Armínio Fraga, o ex-presidente do Banco Central que Aécio já anunciou como ministro da Fazenda do seu hipotético governo.

Diferentemente do que fizeram José Serra e Geraldo Alckmin em disputas pretéritas, Aécio defendeu o legado tucano com raro desassombro. Mais: anunciou a presença de Fernando Henrique Cardoso nos estúdios da Globo. Declarou-se "honrado". Ouviram-se aplausos. O moderador William Bonner teve de ralhar com o auditório para restabelecer o silêncio.

A refrega da noite começou com uma pergunta de Luciana Genro para Dilma. "O escândalo da Petrobras é resultado das alianças que vocês fizeram com a direita?", inquiriu, sem rodeios, a filha de Tarso Genro, governador petista do Rio Grande do Sul. Dilma escorou-se no manual de marketing.

"Nessa campanha, eu propus medidas concretas contra a corrupção", disse a presidente. Ela enumerou os cinco projetos anti-roubalheira que anunciou faz uma semana. Somando-se os mandatos de Lula e Dilma, as propostas chegaram com 12 anos de atraso. Há nos escaninhos do Congresso pilhas de proposições análogas. As propostas avalizadas por Dilma visam ajustar o discurso, não a legislação.

Além dos projetos elaborados em cima da perna, a desconversa de Dilma incluiu duas alegações: 1) "eu demiti" Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras encrencado na Operação Lava Jato; 2) "os roubos só aparecem porque eu autorizei que, em todas as questões relativas à Petrobras, houvesse ampla e total abertura para investigações."

Na réplica, Luciana Genro foi à canela: "Acontece, Dilma, que é o tesoureiro do PT que está envolvido nesse escândalo." Dilma engoliu a menção à tesouraria petista e disse coisas assim: "Não acredito que tem alguém acima da corrupção. Acho que todo mundo pode cometer corrupção. As instituições é que tem de ser virtuosas e impedirem que isso ocorra."

Na sequência, aproveitando-se de uma levantada de bola do Pastor Everaldo, Aécio evocou um documento que desdiz Dilma: "O mais grave em relação à Petrobras é que a presidente acaba de repetir aqui, alguns segundos atrás, que demitiu o senhor Paulo Roberto da Petrobras. Não é o que diz a ata do Conselho" da estatal.

"Está aqui em minhas mãos", prosseguiu Aécio. "A ata do Conselho da Petrobras diz que o diretor renunciou ao cargo e, pasme meu caro pastor, senhoras e senhores, recebe elogios pelos relevantes serviços prestados à companhia no desempenho das suas funções. Esse senhor está sendo obrigado a devolver R$ 70 milhões roubados da Petrobras. E o governo do PT o cumprimenta pelos serviços prestados à companhia."

Dilma voltaria ao tema minutos depois. Para não deixar Aécio sem resposta, ela enfiou a Petrobras dentro de uma resposta a Eduardo Jorge. O candidato do PV a questionara sobre aborto. "Primeiro, gostaria de fazer um esclarecimento", desviou-se Dilma. "Foi dito aqui que eu teria mentido a respeito do demissão do diretor da Petrobras." Ela içou da pasta trecho de um depoimento de Paulo Roberto Costa à CPI da Petrobras. Coisa de junho.

No trecho lido por Dilma, Paulo Roberto conta que foi chamado à presença do ministro Edison Lobão (Minas e energia). "Aí o ministro me falou: 'Paulo, é o seguinte: nós estamos tendo uma mudança. Mudanças na diretoria. Nós resolvemos que precisamos ter uma nova pessoa na diretoria de Abastecimento'. E o ministro falou: 'Eu gostaria que você fizesse uma carta de demissão'. Eu disse: nenhum problema, eu faço." Encerrada a leitura, Dilma arrematou: "Os fatos são esses. Insistem em negá-los. É má-fé…"

Num pedaço do debate em que as perguntas tinham tema definido por sorteio, calhou de Dilma ter de inquirir Aécio sobre o papel das estatais. "Sei que, ao longo de todo o período em que o senhor foi líder do PSDB no Congresso, defendeu as políticas de privatização. Levantou a hipótese inclusive de, em algum momento, no futuro, privatizar a Petrobras…"

Noutros tempos, os tucanos costumavam recolher o bico. Hoje, o ataque do petismo às privatizações é corda em casa de enforcado. Aécio apertou o nó: "A senhora acaba de dizer que o seu ministro das Minas e Energia [Edison Lobão, afilhado de José Sarney] chamou o então diretor da Petrobras. 'Oi, Paulo, entrega aqui, faz aqui uma carta de demissão. Vamos acreditar nisso. Não é a melhor forma de tratar alguém que assaltou a nossa maior empresa. Mas faltou a senhora explicar quais foram os relevantes serviços prestados à companhia. Foi com esse documento que ele foi pra casa. Depois, pra cadeia. Então, essa história precisa ser contada com maior clareza."

Em seguida, Aécio especulou sobre o destino das velhas estatais brasileiras se, em vez de privatizadas, estivessem submetidas à administração do PT. "Privatizamos setores que deveriam ser privatizados. Imagine o setor de telefonia, que já funciona tão mal, nas mãos do Estado. A senhora nomeando os dirigentes dessas empresas. Imagine uma Embraer, a grande empresa que compete, hoje, com êxito, em outras partes do mundo, nas mãos do PT. Nós fizemos as privatizações de setores importantes. No meu governo, a Petrobras vai ser devolvida aos brasileiros."

Dilma chegou a estranhar a naturalidade com que o rival abordou um tema outrora tão espinhoso para os tucanos. "…Acho estranho que trate com tanta leveza a questão das privatizações. Foi no governo do senhor que um alto funcionário de um banco público disse que estavam tratando as privatizações no limite da irresponsabilidade…". Referia-se a Ricardo Sérgio, que integrou a diretoria do Banco do Brasil no governo FHC. A frase sobre as privatizações trançadas "no limite da irresponsabilidade" soou num grampo clandestino instalado nas linhas telefônicas do BNDES.

Aécio ignorou o passado. E sapateou: "Candidata Dilma Rousseff, […] vocês entregaram a nossa maior empresa, quem diz é a Polícia Federal, a uma quadrilha, a uma organização criminosa… O diretor está preso, as denúncais não cessam, porque não ficam apenas nele. Esse é o saldo perverso do aparelhamento da máquina pública, que é a pior marca do governo do PT."

Noutro trecho do debate, Aécio dirigiu uma pergunta a Marina. Soprou: "Você tem reagido aos graves ataques que lhe tem feito a candidata do PT, e com razão." Depois, mordeu: "Mas quero lhe lembrar que essa sempre foi a forma de agir do PT. Inclusive durante os 24 anos em que a senhora esteve no PT. A senhora entrou com uma ação na Justiça Eleitoral para tirar minha propaganda do ar simplesmente porque eu lembrava que a senhora militou durante 24 anos no PT e, durante o mensalão, lá permaneceu. Onde estava, candidata, a nova política naquele instante?"

Dessa vez, foi Marina quem puxou a corda. Mas o fez de forma atabalhoada. Confundiu os estúdios da Globo com o plenário do Senado. E pôs-se a tratar Aécio de forma inexplicavelmente cerimoniosa: "…Vossa Excelência também esteve dentro de um partido que praticou o mensalão, quando foi da votação da reeleição. Foi ali que começou o mensalão. No entanto, Vossa Excelência também permaneceu nesse partido. Nunca vi fazer critica à origem do mensalão."

Com o raciocínio turvado, Marina errou na escolha do paralelo. Em vez da compra de votos, que jamais foi investigada, deveria ter citado o mensalão tucano de Minas Gerais, estrelado por Eduardo Azeredo. Depois de renunciar ao mandato de deputado federal para fugir à inexorável condenação do STF, Azeredo declarou-se um feliz apoiador das pretensões presidenciais de Aécio.

Do meio para o final de sua resposta, Marina troca o Vossa Excelência pelo você: "Eu saí do PT exatamente para manter as minhas convicções. Eu não vi você fazer nenhuma crítica ao expediente da reeleição. E e ainda não vi fazer nenhuma crítica ao mensalão da compra de voto."

A má escolha da analogia facilitou a vida de Aécio: "Me surpreende que a senhora faça essa defesa do mensalão do PT, ao compará-lo a denúncias que jamais foram comprovadas. Mas eu vou em frente. A senhora tem falado que vai governar com os bons. Até aí, o óbvio. Nunca vi ninguém falar que vai governar com os maus. Mas tenho duvidas sobre seu conceito sobre os bons."

Aécio prosseguiu: "Quando a senhora foi ministra, montou sua equipe. O presidente do Ibama era um candidato do PT derrotado ao governo do Amazonas. O secretário de Desenvolvimento Sustentável era um deputado derrotado do PT do Mato Grosso, o secretário de Recursos Hídricos era um vereador do PT de Belo Horizonte, substituído por um candidato derrotado do PT em São Paulo. Nada mais antigo, nada mais velho na política do que nomear para cargos públicos aqueles que foram demitidos nas urnas pelo povo brasileiro."

Marina fez sua pose preferida. A pose de vítima. Misturou o Vossa Excelência e o você na mesma frase: "Em primeiro lugar, candidato Aécio, você falou que eu fui atacada injustamente pelo PT, mas eu também fui atacada injustamente por Vossa Excelência. Pela primeira vez na história desse país se uniu com o PT para tentar me desconstituir, como está dizendo aqui."

Arrematou: "Existem pessoas honradas, sim, que são derrotadas, pessoas competentes, que prestam trabalho sério. Está cheio dessas pessoas dentro do seu partido. Se algum deles perder a reeleição, você vai chamá-los de velha política só pelo fato de eles perderem a eleição. É isso que dá a visão de poder pelo poder."

A certa altura, Marina animou-se a questionar Dilma. Foi ao ponto: "Nas eleições passadas, você assumiu vários compromissos: diminuir os juros, fazer o país continuar crescendo, combater a corrupção… E nada do que você se comprometeu está sendo cumprido. Por que você não conseguiu viabilizar seus compromissos?"

E Dilma: "Acredito que cumpri todos os meus compromissos. Hoje o Brasil pratica a menor taxa de juros de toda a sua história, Marina." Saltando a inflação e o PIB mixuruca, Dilma foi ao item seguinte: "Não houve governo que mais combateu a corrupção como o meu. Eu não escondi debaixo do tapete, não varri e não engavetei. Demos autonomia pro Ministério Público investigar, reconhecemos a autonomia que ele tem, blá, blá, blá…"

Marina voltou à carga: "Dilma, você não cumpriru seus compromissos de campanha. A corrupção foi varrida pra baixo do tapete. […] Você diz que foi o próprio diretor da Petrobras que disse que ia sair porque tinha recebido um recado. Foi negociação premiada. Existe a delação premiada. Houve uma demissão premiada, negociada no seu governo?"

Enquanto Marina falava, Dilma marcava com a caneta um texto sobre a bancada. Foi ao microfone com a disposição de moer a antagonista: "Marina, vamos colocar os pingos nos 'is'. O seu diretor, nomeado por você [no Ministério do Meio ambiente], diretor de Fiscalização do Ibama, foi afastado no meu governo por crime de desvio de recursos. E eu não saí por aí, Marina, dizendo que você conhecia a corrupção e tinha acobertado a corrupção. Sejamos corretas na condução…"

Marina perdeu as estribeiras. Embora as regras a impedissem de replicar, ela não se deu por achada. "Da forma como você fala, toda atrapalhada, é a maior…" Dilma permaneceu defronte de sua rival. Se cercassem, virava um ringue. William Bonner interveio: "Candidatas, por favor, já acabou… Candidatas, por favor, por favor…"

Chamado ao centro do palco, Pastor Everaldo dirigiu-se a Marina. Perguntou-lhe, de novo, sobre Petrobras. Ambos reiteraram as críticas ao descalabro que tisnou a imagem da logomarca, conspurcando-lhe os cofres. Marina poderia ter utilizado parte do seu tempo para rebater a acusação que Dilma fizera minutos antes. Silenciou. E deixou boiando diante das câmeras a acusação de que um diretor nomeados na sua época de ministra foi ao olho da rua por desvio de verbas. Vamos e venhamos, não é algo que possa ficar sem resposta a poucas horas do encontro do eleitor com a urna.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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