Silêncio da Câmara grita: ‘Somos todos Vargas!’
Josias de Souza
16/10/2014 02h30
É estridente o silêncio da Câmara diante dos expedientes adotados para protelar a chegada ao plenário do pedido de cassação de André Vargas, amigo $eleto do doleiro Alberto Youssef. Prevalece o esprit de porcs, versão nacional do francês esprit de corps.
O Conselho de Ética da Câmara aprovou a cassação de Vargas em 20 de agosto. O pedido iria ao plenário. Mas o companheiro recorreu. Decorridos quase dois meses, a encrenca encontra-se estacionada na Comissão de Constituição e Justiça.
Há sobre a mesa um relatório que pede o indeferimento do recurso de Vargas. Redigiu-o Sérgio Zveiter (PSD-RJ). Ele tenta levar a peça a voto desde o princípio de setembro. Dizia-se que tudo se resolveria depois das urnas do primeiro turno. Marcaram-se duas sessões. Mas a falange pró-Vargas fez minguar o quórum. A última pseudo-tentativa micou nesta quarta-feira.
O paranaense André Vargas tenta chegar ao final da legislatura com o mandato intacto. O baiano Luiz Argôlo, outro ami$$íssimo de Youssef, ambiciona a mesma sorte. As chances aumentaram depois que Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef decidiram ganhar a vida com o suor do dedo indicador.
Numa soma modesta, são contados na casa da centena os congressistas que serão pendurados de ponta-cabeça nas manchetes no dia em que os depoimentos prestados sob o sigilo da delação puderem soar em público. Daí a tática da protelação, baseada no princípio segundo o qual uma mão suja a outra.
Quer dizer: o mutismo da Câmara não é casual. Há método no silêncio dos deputados. É como se eles gritassem sem abrir a boca: "Somos todos Vargas." Convém à opinião pública escutar esse silêncio.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.