Lula insinuou em discurso que sabia de pagamento de propinas para deter CPI
Josias de Souza
18/10/2014 04h40
Num discurso feito no início de maio, no 14º Congresso Nacional do PT, Lula declarou o seguinte: "Eu era presidente e, muitas vezes, em época de campanha, sempre aparecia alguém com um bilhetinho dizendo que era preciso fazer uma CPI da Petrobras. Sempre em época de eleições. Eu às vezes fico nervoso, não posso falar, porque eu não tenho imunidade. Mas a impressão que eu tenho é que tem gente querendo fazer caixa de campanha ameaçando em toda época de eleições a Petrobras."
Na ocasião, a frase de Lula, disponível no vídeo acima, soara como uma crítica desconexa à oposição, que se equipava para esquadrinhar os negócios da Petrobras numa nova CPI. Súbito, as palavras do morubixaba do PT ganharam novo significado. Descobriu-se que, nos depoimentos prestados em segredo à Procuradoria da República, o delator Paulo Roberto Costa contou que parte do dinheiro desviado da Petrobras foi usado para sufocar uma CPI aberta em 2009 para investigar a estatal no Senado.
Segundo Paulo Roberto, o ex-senador pernambucano Sérgio Guerra, então presidente do PSDB federal, cobrou R$ 10 milhões para ajudar a enterrar a investigação parlamentar. O dinheiro foi entregue a Guerra depois que a CPI assou uma pizza, em dezembro de 2009. Nessa versão, o dirigente tucano teria informado ao hoje delator da Petrobras que usaria a propina para financiar campanhas do PSDB nas eleições de 2010.
Integrantes da força-tarefa que conduz a Operação Lava Jato suspeitam que era sobre esse assunto que Lula falava quando lamentou, há cinco meses, não dispor de "imunidade parlamentar" para contar o que sabe sobre CPIs, caixas de campanha e Petrobras. Paulo Roberto virou diretor de Abastecimento da maior estatal brasileira graças ao apadrinhamento do PP, Partido Progressista. Foi nomeado em 2004, sob Lula, que o chamava de "Paulinho". Permaneceu no cargo até 2012, segundo ano da gestão de Dilma Rousseff.
No mês passado, ao participar de um ato "em defesa da Petrobras", na frente do prédio da estatal, no Rio, Lula voltou ao assunto. De novo, falou do pecado sem mencionar os pecadores. "Já houve três pedidos de CPI só na Petrobras", discursou ele. "Eu tenho a impressão de que essas pessoas pedem CPI para, depois, os empresários correrem atrás delas e achacarem esses empresários para ganhar dinheiro. […] Se alguém roubou, esse alguém tem mais é que ser investigado, ser julgado. Se for culpado, tem que ir para a cadeia."
No seu depoimento sigiloso, Paulo Roberto contou que coube à empreiteira Queiroz Galvão desembolsar a propina entregue a Sérgio Guerra. A empresa participou das obras da superfaturada refinaria pernambucana de Abreu e Lima, um dos alvos da CPI de 2009. Ainda de acordo com o delator, acompanhou a negociação com o ex-presidente do PSDB o deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE), chamado por ele de "operador".
Morto há sete meses, Sérgio Guerra frequenta o noticiário indefeso. O PSDB de Aécio Neves disse defender a apuração do caso. A construtora Queiroz Galvão negou ter bancado a propina. E o deputado Eduardo da Fonte preferiu não fazer comentários. Dilma vem dizendo que não sabia que 3% do valor dos contratos celebrados pela Petrobras com grandes empreiteiras viravam propinas, num esquema que sucedeu o mensalão.
Nesse contexto, Lula faria um bem ao país e a si mesmo se esclarecesse o que diabos quis dizer com a aquela desconversa de maio: "Eu às vezes fico nervoso, não posso falar, porque eu não tenho imunidade. Mas a impressão que eu tenho é que tem gente querendo fazer caixa de campanha ameaçando em toda época de eleições a Petrobras." No mesmo discurso, que pode ser ouvido na íntegra aqui, Lula defendeu uma volta do PT às suas origens.
Disse coisas assim: "Nós precisamos, então, voltar a recuperar o orgulho que foi a razão da existência desse partido em momentos muito difíceis, porque a gente às vezes não tinha panfleto para divulgar uma campanha. Hoje, parece que o dinheiro resolve tudo. Os candidatos a deputado não têm mais cabo eleitoral gratuito. É tudo uma máquina de fazer dinheiro, que está fazendo o partido ser um partido convencional."
O ex-diretor Paulinho, hoje um corrupto confesso e colaborador da Justiça, comprometeu-se a devolver os US$ 23 milhões que guardou em contas na Suíça. Envolveu pelo menos três partidos governistas na petro-roubalheira: PP, PMDB e PT. Lula está diante de uma rara oportunidade. Se explicasse como seu partido virou essa "máquina de fazer dinheiro", ele talvez iniciasse o caminho de volta às origens.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.