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Debate: sem baixarias, rivais miram os indecisos

Josias de Souza

20/10/2014 06h31

Ninguém chamou o oponente de mentiroso ou de leviano. Algumas intervenções foram ácidas. Mas não se ouviu nenhum xingamento ou ofensa pessoal. No terceiro debate presidencial do segundo turno, Dilma e Aécio priorizaram, finalmente, as ideias. Mencionaram-se temas como educação, saúde, segurança, infraestrutura, economia e programas sociais. O diabo é que as ideias revelaram-se tão profundamente rasas que poderiam ser atravessadas por uma formiga —com água pelas canelas.

Num confronto precedido de muito ensaio, não houve nenhum lance capaz de virar votos alheios. No fundo, as grandes poses de Aécio e Dilma não foram direcionadas aos eleitores que já lhes são fieis. Os candidatos ajeitaram seus mais belos penteados, puseram suas mais elegantes roupas e armaram-se de suas melhores virtudes para o julgamento dos indecisos —6% do eleitorado. Ou cerca de 8 milhões de pessoas.

Considerando-se o contexto atual, em que sete de cada dez brasileiros manifestam o desejo de mudança, o arsenal retórico de Aécio pode soar mais sedutor que o de Dilma. Mas a presidente está longe de ser uma adversária negligenciável. Às voltas com indicadores econômicos esquálidos e um escândalo de corrupção portentoso, ela arrasta 49% das intenções de voto nas pesquisas. Segura um empate técnico com Aécio, a quem o Datafolha e o Ibope atribuem 51%.

Quer dizer: mesmo com todo o temor de que a economia exploda e a delação da Petrobras confirme que o petismo e seus aliados produziram um novo mensalão hipertrofiado… mesmo com tudo isso, metade do eleitorado ainda se dispõe a votar em Dilma. A pergunta a ser feita é: quantos indecisos a presidente conseguirá atrair para o seu cesto? Ou, por outra: Dilma conseguirá impedir que Aécio engorde seu percentual de votos?

A serviço do petismo, o marqueteiro João Santana já demonstrou que, com boa propaganda, pode-se vender até ovo sem casca. Mas esse eleitor que ainda faz cara de interrogação diante da urna talvez tenha dificuldade para comprar a tese segundo a qual Dilma será a mudança de si mesma. É nisso que se apegou Aécio ao apresentar-se no debate como o candidato capaz de "mudar de verdade o Brasil, não apenas no slogan".

Aécio logrou levar sua rival às cordas algumas vezes. Como na hora em que perguntou sobre inflação. "A inflação não está descontrolada como quer vocês", defendeu-se Dilma, tropeçando no português. "Vocês jogam no quanto pior, melhor. Eu tenho certeza que a inflação está sob controle. Ela está inteiramente controlada. E isto é inequívoco." A necessidade de defender a própria fama de supergerente impede Dilma de enxergar que a autocrítica pode ser menos danosa do que a falta de nexo.

Livre de amarras, Aécio sapateou: "A verdade, candidata, é que as pessoas estão apavoradas. O jornal 'O Globo' desse final de semana mostra as pessoas no supermercado enchendo os carrinhos, fazendo de novo a compra do mês, que existia há quinze anos atrás."

Olhar fixo na câmera, Aécio tentou faturar com o infortúnio de uma inflação que teima em permanecer nos arredores de 6,5%, teto da meta oficial do governo. "A inflação está aí, é importante que você saiba. Para a presidente da República, não existe inflação, ela está sob controle. Inequívoco, segundo ela. Para mim não está!"

Dilma defendeu-se como foi possível: "Candidato, em alguns momentos você tem flutuações, mas os preços voltam para o patamar que devem ficar." Ela voltou a esfregar na cara do adversário indicadores do ciclo FHC, encerrado em 2002. "Quando vocês entregaram o governo, a inflação estava em 12,5%. No ano anterior, estava em 7,7%."

No afã de grudar FHC em Aécio, Dilma esquece que o Brasil de 12 anos atrás saía de uma superinflação que chegou a 83% ao mês. Com a mente nublada, a presidente por vezes exagerou. Ao recordar que sob FHC 11,5 milhões de trabalhadores perderam o emprego, Dilma provocou: "O meu governo, candidato, ao contrário do seu, criou 5,6 milhões de empregos."

Aécio ironizou: "A candidata afirma que seu governo gerou mais emprego do que o meu. Eu não governei o país, candidata, pelo menos ainda." Na sequência, enumerou os países da América Latina que registram crescimento econômico mais alto, inflação mais baixa e taxas de desemprego próximas das observadas no Brasil: Peru, Chile e México.

De resto, para o bem ou para o mal, Aécio não exibe na atual disputa a mesma FHCfobia que atormentava José Serra e Geraldo Alckmin, os tucanos que o precederam no posto de adversários do PT. Ao assumir o legado tucano, Aécio enfraqueceu o veneno de Dilma. Ela o desafiou a não "lavar as mãos" para o passado de sua tribo. E o tucano respondeu:

"Candidata, eu tenho um orgulho enorme de ter podido participar de um momento transformador da vida nacional, quando nós aprovamos o Plano Real, tiramos a inflação das costas dos brasileiros. Contra o voto do seu partido. E tenho certeza que a senhora assume essa responsabilidade… Votamos a Lei de Responsabilidade Fiscal, que reordenou a vida dos entes públicos brasileiros. Contra a posição do seu partido… Iniciamos os programas de transferência de renda, depois ampliados, candidata, pelo seu partido."

Outro tema que se revelou duro de roer para Dilma foi a petro-ladroagem. Aécio degustou defronte das câmeras da tevê Record uma declaração que sua antagonista fizera na véspera:

"Candidata, eu cobrei durante todos esses últimos debates uma posição da senhora em relação a Petrobras. Não obtive. Mas agora eu quero aqui fazer um reconhecimento de público: a senhora ontem reconheceu que houve desvios na Petrobras. […] Aquele que é denunciado, para recebimento dessa propina, o tesoureiro [do PT] João Vaccari Neto, continuará também como membro do Conselho de Itaipu? A senhora confia nele, candidata?"

Dilma fugiu da resposta sobre Vaccari. Ficou subentendido que manterá no Conselho da Itaipu Binacional o personagem que o delator Paulo Roberto Costa identificou como operador do PT no esquema urdido para morder propinas na Petrobras.

A presidente defendeu-se atacando: "Candidato, o senhor confia em todos aqueles que, segundo as mesmas fontes que acusam o Vaccari, dizem que o seu partido, o presidente dele [Sérgio Guerra], que lamentavelmente está morto, recebeu recursos para acabar com a CPI? O senhor acredita, candidato?"

Dilma prosseguiu: "Eu queria lembrar o senhor de uma coisa: da última vez que um delator [da empresa Siemens] denunciou pessoas do seu partido no caso do metrô e dos trens [em São Paulo], o senhor disse que não ia confiar na palavra de um delator. Eu sou diferente, candidato. Eu acredito no seguinte, eu sei que há indícios de desvio de dinheiro."

Aécio não se deu por achado: "Senhora candidata, se eu entendi bem, houve aqui um recuo, a senhora já não acha mais, como a imprensa notificou, que houve desvios, a senhora acha que houve indícios de desvios. E não respondeu a minha pergunta. Porque, se a senhora acha que houve desvios, a senhora obviamente está acreditando na palavra do delator, que me parece consistente. E eu lhe pergunto: a senhora confia no tesoureiro do seu partido?"

Nas palavras de Dilma, Aécio deveria cumprimentá-la não por ter reconhecido os desvios, mas por ter declarado que "iria investigar assim que o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal divulgassem as suas conclusões."

Aécio foi ao ponto: "A senhora foi presidente do Conselho de Administração durante um longo tempo. Como essas coisas poderiam acontecer de uma forma tão sistêmica, candidata? Isso que é grave, e isso que precisa mudar no Brasil, nós precisamos profissionalizar as nossas empresas, tirá-las da agenda política."

O candidato tucano afirmou também que a Petrobras migrou das páginas econômicas para o noticiário policial como "consequência da forma como as pessoas são nomeadas" para compor a diretoria da Petrobras. "As pessoas estão sendo nomeadas para prestar serviços seja para o partido da presidente, ou do presidente [Lula], ou para partidos da base. É isso que, infelizmente, vem acontecendo."

Aécio prometeu profissionalizar a gestão de estatais como a Petrobras. Disse que vai retirar do balcão também os cargos de direção nos bancos públicos. Beleza. Faltou explicar como fará para saciar a fome dos partidos por poltronas e verbas. Chama-se Benito Gama um dos aliados de Aécio. Preside o PTB federal. Acaba de ser eleito deputado federal pela Bahia. Sob Dilma, Benito ocupou um assento na diretoria do Banco do Brasil. A despeito disso, bandeou-se para a coligação de Aécio. E não há de ter feito isso por patriotismo.

A exemplo do que fizera noutras oportunidades, Dilma levou ao ventilador os escândalos da Era FHC: o caso da pasta rosa, a encrenca do Sivam, a compra de votos na aprovação da emenda da reeleição… Aécio insinuou que o petismo teve 12 anos para reabrir os casos. Se não o fez foi porque não havia culpados. Dilma reiterou que o engavetamento de investigações é uma marca dos governos tucanos.

O problema é que, nessa gincana de lama, Dilma se defende jogando na lata de lixo a superioridade moral da qual um dia o PT se jactou. No mais, o óleo quente da Petrobras queima mais do que os escândalos enterrados vivos no passado: "Montou-se, segundo a Polícia Federal, uma organização criminosa na Petrobras", subiu o tom Aécio.

"E quero dar à senhora, mais uma vez, a oportunidade: o tesoureiro do seu partido, hoje ocupando um cargo em Itaipu, nomeado quando a senhora era ministra das Minas e Energia, ele tem a sua confiança para continuar ocupando esse cargo? Não lhe preocupa o que possa estar acontecendo em Itaipu e, eventualmente, em outras empresas públicas?" Numa eleição apertada, esse tipo de interrogação pode custar votos decisivos. Sobretudo quando ficam sem resposta.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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