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Dilma e Aécio têm de eliminar a radioatividade

Josias de Souza

26/10/2014 17h13

PT e PSDB frequentaram a sucessão presidencial como personagens de uma anedota de Millôr Fernandes. A piada trata da tecnologia da engenharia na China. Colocam 10 mil chineses cavando de um lado da montanha, 10 mil cavando do outro lado. Se os dois grupos se encontram no meio do caminho, fazem um túnel. Se não se encontram, fazem dois túneis.

Petistas e tucanos cavam há anos. Mas a montanha que os separa parece intransponível. Encontram-se de raro em raro. Mas, ocupados em trocar socos e ofensas mútuas, não conseguem enxergar luz no fim do túnel. Desviam-se uns dos outros. E continuam cavando.

Em 2014, exageraram nas agressões. "Acho que teve momentos lamentáveis", disse Dilma Rousseff neste domingo. "Ficará marcada como a mais sórdida campanha já feita", declarou Aécio Neves. Ou eles param de cavar ou a montanha vai virar um gigantesco labirinto.

Na origem do relacionamento, imaginou-se que haveria um fim de túnel. A coisa começou em 1978, ano em que o sindicalista Lula apoiou o intelectual FHC na sua primeira campanha ao Senado. Juntos, distribuíam panfletos nas portas de fábrica do ABC paulista.

Nessa época, FHC e Lula dividiam conjecturas sobre a constituição de um partido socialista. Mudaram de ideia. E cada um foi cavar a própria história. Um preferiu alinhar-se à esquerda do velho MDB. O outro foi fundar o PT.

Encontraram-se no miolo da montanha nos palanques dos comícios pela volta das eleições diretas. Separaram-se no colégio eleitoral que elegeu Tancredo Neves, o avô de Aécio. Juntaram-se num palanque de segundo turno –Lula X Collor. Achegaram-se novamente nas articulações que levaram ao impeachment de Collor.

Desde 1994, desencontram-se a cada quatro anos. Estapeiam-se em campanhas presidenciais. FHC prevaleceu sobre Lula em 1994 e 1998. A transição de 2002 para 2003, por civilizada, teve a aparência de um novo reencontro. Engano. Após derrotar Jose Serra, Lula pespegou na gestão de FHC o selo de "herança maldita". Desentenderam-se de novo em 2006 e 2010. Em 2014, a oratória atingiu o grau máximo de radioatividade.

Chegou a hora de tornar o cenário menos tóxico. Se restar alguma dose de bom senso, Aécio e Dilma retiram a raiva dos discursos já noite deste domingo, depois do anúncio do resultado das urnas. Dá-se de barato que a montanha venceu. Mas não precisa entregar 100% da governabilidade do labirinto a personagens como Renan Yang, Sarney Ling e toda a dinastia Ming que perambula pelo Congresso à procura de aliança$.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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