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Criativo, governo inventou o déficit sem remorso

Josias de Souza

14/11/2014 05h37

Sob Dilma Rousseff, o governo marchou sobre os cofres do Tesouro mais ou menos como a Cavalaria Americana avançou sobre os índios na conquista do Velho Oeste. Você imagina os EUA dando explicações sobre o massacre dos seus índios? Pois é. O Palácio do Planalto também estava muito ocupado cumprindo sua missão de conquistar a prosperidade para sentir remorso pelo extermínio do equilíbrio das contas públicas.

A caminho da reunião da cúpula do G20, na Austrália, Dilma refutou as críticas ao projeto que seu governo enviou ao Congresso para legalizar a irresponsabilidade fiscal que levará ao fechamento das contas públicas de 2014 no vermelho. "Dos 20 países do G20, que são as 20 maiores economias do mundo, 17 estão numa situação de ter déficit fiscal. Nós estamos ali, no zero", festejou a presidente. Otimista, ela parece descrer da hipótese de o resultado ficar abaixo de zero.

Em entrevista à repórter Míriam Leitão, veiculada na noite desta quinta-feira (13), o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) reiterou comentários que ajudam a definir a estética do western do governo petista. Graças ao heroísmo desbravador de Dilma, o governo sacrificou a meta de superávit primário para "proteger a produção, o emprego e o chão da fábrica".

Tomado pelo entusiasmo, Mercadante nem notou que alguma coisa lhe subiu à cabeça ao comentar a hesitação do Congresso em aprovar a proposta que desobriga o governo de produzir sobras de caixa para pagar os juros da dívida pública. "Se o Congresso não aprovar, não tem problema, podemos fazer o superávit primário", disse o ministro. "É só suspender as desonerações [tributárias] e brecar os investimentos no país. Mas vamos colocar o resultado disso na conta do Congresso."

Há no Congresso um sentimento antipetista que ultrapassa as fronteiras da oposição. Tomado pelas palavras, Mercadante deseja que essa aversão seja convertida num pró-petismo inocente, que aceite todas as presunções do governo a seu próprio respeito. Em matéria de política econômica, isso inclui concordar com a tese segundo a qual a gestão Dilma tem uma missão de inspiração divina. Portanto, indiscutível.

O estouro das contas não impedirá que o crescimento econômico fique próximo de zero em 2014. A gastança tampouco evitará que a inflação permaneça ao redor dos 6,5%, no topo da meta. A Petrobras, cujo conselho de administração foi presidido por Dilma, não consegue fechar um balanço trimestral, tamanha a roubalheira que se instalou na companhia desde o governo Lula.

Munido de autocritérios, porém, Mercadante acredita que Dilma —gestora impecável, potência moral— só deve explicações à sua própria noção de superioridade. O governo criou um novo tipo de déficit. O déficit sem remorso. Autocongratula-se e prepara o fechamento do ciclo. O Novo Mundo está conquistado. Falta só ajustá-lo. Se o Congresso cumprir o seu papel de aprovar tudo sem fazer muitas perguntas, quem haverá de se lembrar dos índios e das metas que a Cavalaria teve de sacrificar pelo bem do país?

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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