Dilma precisa ser apresentada logo à autocrítica
Josias de Souza
16/11/2014 18h43
Dilma Rousseff faz sempre sua autocrítica. Invariavelmente a favor. A mais recente foi sobre o escândalo da Petrobras. Para a presidente, a corrupção que carcome a estatal demonstra que seu governo é o governo mais extraordinário que ela já viu. Assaltos aos cofres públicos já houve muitos. Mas a petrorroubalheira é "o primeiro escândalo da nossa história que é investigado", disse ela.
A presidente afirmou que poderia "listar uma quantidade imensa de escândalos no Brasil que não foram investigados". Não chegou a citar Fernando Henrique Cardoso, como fez durante a recém-encerrada campanha eleitoral. Mas insinuou que o tucanato é o verdadeiro responsável pela migração da Petrobras da editoria de economia para o caderno de polícia.
"Talvez esses escândalos que não foram investigados sejam responsáveis pelo que aconteceu na Petrobras", teorizou Dilma, numa entrevista concedida pouco antes do almoço de encerramento da cúpula do G20, na Austrália. Por sorte, graças à presidente e aos seus autocritérios, os problemas do Brasil acabaram. Agora, "mudará para sempre a relação entre a sociedade brasileira, o Estado brasileiro e a empresa privada".
Não será uma mudança banal. Não, não. Absolutamnete. O novo escândalo mudará "o Brasil para sempre." Não duvide, a investigação na Petrobras "vai acabar com a impunidade", vaticinou Dilma, para sossego de todos os brasileiros.
Muita gente já estava, não é de hoje, meio desalentada. Há 12 anos, imaginou-se que o PT chegara ao poder para inaugurar um país diferente daquele em que os escândalos eram jogados embaixo de um gigantesco tapete metafórico. De repente, sobreveio o mensalão. Foi triste, muito triste, desalentador.
Dilma não se lembra, mas aquele caso também foi investigado. Chegou mesmo a ser julgado. Melhor: acabou num inédito pacote de condenações. Imaginara-se que o envio da cúpula do PT para a Papuda representaria "o fim da impunidade". Engano.
O petismo tratou os seus condendos como herois da resistência. Lula declarou que o julgamento da Suprema Corte foi "80% político". Para piorar, descobre-se agora que, antes mesmo que a sentença do mensalão fosse sacramentada, prepostos do PT e dos seus aliados já reincidiam na delinquência, invadindo os cofres da maior estatal do país.
Embora a PF tenha batizado de Apocalipse seu último movimento na operação Lava Jato, Dilma acha que não é o fim do mundo. A maioria da Petrobras não é corrupta, ela realçou. A investigação serve justamente para individualizar as culpas. "Não se pode condenar as empresas. Temos que condenar as pessoas, dos dois lados, dos corruptos e dos corruptores."
A presidente se absteve de responder se acha que tem alguma responsabilidade política pela encrenca que se instalou na Petrobras. A pergunta se justifica, já que a estatal sempre foi, por assim dizer, o habitat natural de Dilma. Desde 2003, quando Lula a nomeou ministra de Minas e Energia.
Transferida para a Casa Civil, Dilma manteve-se na presidência do Conselho de Administração da Petrobras. Eleita presidente da República, entregou o comando da companhia a Graça Foster, pessoa da sua irrestrita confiança. Dilma costumava dizer que converteria a Petrobras num exemplo. Agora sabe-se de quê!
Se a entrevista da presidente foi bem entendida, aquela supergerente que o país elegera em 2010 e acaba de reeleger agora fechou os olhos para o dinheiro que saía pelo ladrão na Petrobras por razões estratégicas. Dilma passou por cega porque queria acabar com a impunidade no país, produzindo o primeiro escândalo da história nacional que seria investigado de verdade.
Ou tudo não passa de uma grande esperteza de Dilma ou alguém precisa apresentar a presidente à autocrítica. Do contrário, o brasileiro vai acabar acreditando que a hipocrisia passou a ser uma forma de patriotismo.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
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