Corrupção brasileira é coisa de primeiro mundo
Josias de Souza
05/12/2014 18h06
Houve um tempo em que só havia duas categorias de países: os "desenvolvidos" e os "subdesenvolvidos". Na década de 50, o demógrafo francês Alfred Sauvy dividiu o mundo em três: o 'primeiro mundo', pujante e capitalista; o 'segundo', composto pelas nações comunistas; e o 'terceiro', integrado pelos pedaços pobres e atrasados do mapa. Nessa época, 'primeiro mundo' virou selo de qualidade no Brasil.
Se um serviço era bom, dizia-se que era de 'primeiro mundo'. Se uma empresa fazia sucesso, era de 'primeiro mundo'. O sumiço do 'segundo mundo' levou à adoção de nova classificação. O Brasil migrou do 'terceiro mundo' para a categoria de 'país emergente'. Não é mais tão pobre. Mas ainda não virou 'desenvolvido'. Numa área, porém, o Brasil já chegou lá: a corrupção.
A corrupção brasileira tornou-se um empreendimento transnacional. Nesta semana, foram à Suíça procuradores e promotores brasileiros que cuidam do caso do cartel que fraudou licitações do metrô e dos trens de São Paulo. Obtiveram do Ministério Público suíço o compromisso de compartilhamento de dados bancários e de processos criminais abertos contra agentes públicos que receberam por baixo da mesa, sob governos do PSDB, propinas das multinacionais Alstom e Siemens.
Na semana passada, procuradores que atuam na Operação Lava Jato também passaram pela Suíça. Numa estadia de quatro dias, impressionaram-se com o volume de informações colecionadas pelos colegas suíços sobre petrocorruptos brasileiros. Voltaram com os extratos bancários de Paulo Roberto Costa, que ocultara na Suíça um butim de US$ 26 milhões amealhado nos subterrâneos da Petrobras, sob os governos do PT. Os investigadores trouxeram também o compromisso de repasse de dados sobre larápios que os inquéritos brasileiros ainda não haviam farejado.
Até os Estados Unidos viram-se obrigados a reconhecer o dinamismo da corrupção brasileira. A SEC, Securities and Exchange Commission, repartição reguladora do mercado de capitais americano, abriu, nas pegadas da Lava Jato, uma investigação contra a Petrobras. Requisitou documentos à estatal brasileira, que negocia papeis na Bolsa de Nova York.
Não é só: no início do mês, o Ministério Público da Holanda informou que a empresa SBM Offshore, uma fornecedora de plataformas de petróleo que mantém negócios bilionários com a Petrobras, firmou um acordo inusitado. A empresa pagou notáveis US$ 240 milhões para evitar a abertura de um processo sobre "propinas" que pagou para obter contratos em Angola, Guiné Equatorial e Brasil.
No Brasil, a SBM desembolsou US$ 139 milhões para lubrificar negócios. E a Petrobras, que havia informado em março que auditoria interna "não encontrou fatos ou documentos que evidenciem pagamento de propina" a seus funcionários, teve de dar meia-volta. Supremo vexame: a estatal admitiu que a própria fornecedora holandesa lhe informara sobre os pagamentos indevidos.
Na maioria dos setores, o Brasil ainda é um país por fazer. Na área da corrupção, porém, o país já foi feito. Deve-se a realização à parceria que une partidos políticos e empresas financiadas pelo déficit público. No setor da roubalheira, o Brasil atingiu o velho sonho. A corrupção nacional é coisa de 'primeiro mundo'.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.