Vínculo de Dirceu com empreiteira lembra o PC
Josias de Souza
09/12/2014 03h52
Na fase de derrocada do cleptogoverno de Fernando Collor, a Polícia Federal fez uma batida no escritório da EPC, firma de consultoria de Paulo Cesar Farias, o célebre PC. Ao varejar um dos computadores apreendidos na operação, os agentes descobriram que a nata da plutocracia nacional farejara no operador das arcas clandestinas da época um consultor de talento insuspeitado.
Contrataram os bons préstimos de PC Farias logomarcas como Odebrecht, Cetenco, Votorantim, Cimento Portland Itaú e Tratex. Até hoje, não há vestígio de nenhum trabalho realizado por PC como contrapartida do dinheiro recebido de tais empresas. Numa de suas melhores frases, o amigo de Collor declarou: "Se alguém queria me agradar com dinheiro, eu não tinha como recusar." Deu no impeachment, uma saída que o então deputado federal José Dirceu ajudou a construir na CPI do Collorgate.
Pois bem. Há três semanas, a PF executou operações de busca e apreensão nas sedes de nove empreiteiras, nas casas de seus executivos e em escritórios de lobistas. No meio do papelório pescado nas instalações da construtora Camargo Corrêa havia um contrato firmado com a JD Assessoria. Trata-se da empresa de consultoria do grão-petista condenado José Dirceu.
Deve-se a revelação ao repórter Diego Escosteguy. Em notícia veiculada nesta segunda-feira (8), ele contou que, entre 2010 e 2011, a Camargo Corrêa pagou R$ 886 mil ao consultor Dirceu, à época acomodado no banco dos réus do STF. O dinheiro pingou em conta-gotas: R$ 75 mil mensais. Por uma dessas incríveis coincidências, no mesmo mês em que se dispôs a pagar pelos conselhos de Dirceu (abril de 2010), a construtora celebrou um par de contratos com a Petrobras para prestar serviços na refinaria pernambucana de Abreu e Lima. Negócios de R$ 4,7 bilhões.
De acordo com os depoimentos prestados pelo delator Paulo Roberto Costa, os contratos de Abreu e Lima foram azeitados por propinas a dois partidos: 1% para o PP, cujos interesses Paulo Roberto representava na diretoria de Abastecimento; e 2% para o PT, que acomodara na diretoria de Serviços, responsável pelos projetos das refinarias, Renato Duque —um apadrinhado de Dirceu, segundo contou o delator aos investigadores.
A JD Assessoria confirmou que "prestou consultoria na área internacional à Camargo Corrêa, entre maio de 2010 e fevereiro de 2011". Mas alegou que, "por razões de confidencialidade contratual, não pode se manifestar sobre a natureza nem os resultados dos serviços prestados." Repudiou a vinculação do contrato com os negócios da Petrobras. A Camargo Corrêa também admitiu a "existência do contrato". Mas preferiu se abster de fazer comentários.
Os serviços do consultor Dirceu foram enumerados na primeira cláusula do contrato (veja reprodução da peça no rodapé). São seis itens. Entre eles: "Análise dos aspectos sociológicos e políticos do Brasil", "divulgação do nome da contratante dentro da comunidade internacional e nacional em eventos", "palestras e conferências internacionais em assuntos de interesse da contratante…".
No livro "Abaixo a Ditadura" (Ed. Garamond, 1998), que escreveu em parceria com Vladimir Palmeira, o ex-líder estudantil José Dirceu anotou: "É difícil reproduzir o que foi o espírito de 68, mas posso dizer que havia uma poderosa força simbólica impulsionando a juventude […]. O mundo parecia estar explodindo. Na política, no comportamento, nas artes, na maneira de viver e de encarar a vida, tudo precisava ser virado pelo avesso. Para nós, o movimento estudantil era um verdadeiro assalto aos céus".
De avesso em avesso, Dirceu tornou-se personagem de um país em que a política explode em múltiplos assaltos. Transferido da cana dura para o regime semi-aberto e, depois, para a prisão domiciliar, o ex-idealista está escrevendo um novo livro. Segundo a repórter Mônica Bergamo, vai se chamar "Tempos de Papuda". Em 2011, já havia escrito 'Tempos de Planície', sobre a fase posterior à sua queda do Planalto. Nesse ritmo, vai acabar escrevendo "Tempos de Consultor", um livro de auto-ajuda, direcionado às pessoas que precisam se reinventar na vida.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.