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Lula insinuou durante festa do PT que julgamento do petrolão será político

Josias de Souza

07/02/2015 04h20

Em sua primeira manifestação pública sobre a Operação Lava Jato, Lula comparou o petrolão ao mensalão. Fez isso para insinuar que o novo escândalo terá um julgamento político. "Estamos assistindo à repetição de um filme com final conhecido", disse ele na festa de 35 anos do PT.

Eis o roteiro do filme que Lula antevê: "Pessoas são acusadas por meio da imprensa, com base em vazamentos seletivos de uma investigação à qual somente alguns têm acesso. Não há contraditório, não há direito de defesa. E quando o caso chegar às instâncias finais da Justiça, certamente o julgamento já foi feito pela imprensa, os condenados já foram punidos. Restará apenas executar a sentença, como nós já vimos nesse país."

Em abril de 2014, numa entrevista à emissora portuguesa RTP, Lula afirmara que o julgamento do mensalão pelo STF "teve praticamente 80% de decisão política e 20% de decisões jurídicas." Acrescentara que "não houve mensalão" e que "o processo foi um massacre que visava destruir o PT."

Lula fez a analogia entre os dois escândalos que enodoam a Era petista num discurso escrito. Ao explicar à plateia que o ouvia num auditório de Belo Horizonte por que desistira de falar de improviso, o morubixaba do PT desancou a Polícia Federal e saiu em defesa do tesoureiro do PT João Vaccari Neto, que havia sido recolhido em casa na véspera, para prestar depoimento.

"Não tenho por hábito ler discurso num encontro do PT", disse Lula. "Mas eu ontem fiquei indignado. Então, tomei muito cuidado para não repassar aqui, nessa festa de 35 anos, a indignação. Seria muito mais simples a Polícia Federal ter convidado nosso tesoureiro para se apresentar do que ir buscá-lo em casa." Lula se absteve de recordar que os agentes federais foram à residência de Vaccari por ordem da Justiça. Executavam um mandado judicial de condução coercitiva do investigado.

Lula reiterou a comparação entre os escândalos: "Estão repetindo o mesmo ritual que eu vejo nesse Brasil desde 2005, quando começaram as denúncias que eles chamaram de mensalão. Toda quinta-feira começam a sair boatos. Na sexta-feira sai a denúncia, é publicado pelas revistas. Sai na televisão no sábado. No domingo, o massacre pela imprensa. E na segunda-feira começa um outro assunto, para na outra semana começar tudo outra vez. É um ritual. Está se repetindo."

De fato, repete-se agora um filme velho, uma ficção estrelada por Lula. Tem um enredo fantástico, rodado num país imaginário. Um enredo bem brasileiro. Nele, um gigantesco caso de corrupção é sucedido por outro muito maior. Os suspeitos são sempre operadores amigos, correlegionários petistas, aliados políticos e servidores nomeados sob Lula. Que "não sabia de nada". Em vez de condenar os assaltos, o ficcionista ataca os investigadores, os procuradores, os repórteres e os magistrados que ousam desvirtuar sua fábula.

Para Lula, "o critério adotado pela mídia brasileira é o da criminalização do Partido dos Trabalhadores, desde que nós chegamos no poder. Eles trabalham com a convicção de que é preciso criminalizar o nosso partido. Não importa que seja verdade ou não. O que interessa é a construção da versão, para se construir uma narrativa. Então, eu pensei: se eu for falar tudo o que eu penso, vai ser muito ruim, porque vai parecer que eu estou aqui falando com o fígado. E eu não quero prejudicar o meu fígado aos 66 anos de idade."

Ao falar sobre a Petrobras, Lula acionou o fígado quase septuagenário para borrifar bílis na oposição. "Nossos adversários não se incomodam que essa campanha já tenha causado enormes prejuízos à Petrobras e ao país. O que eles querem, na verdade, é criminalizar o PT, paralisar o governo e continuar desgastando o nosso partido." Nesse trecho do discurso, o patrono de Dilma flertou com a modéstia e com o egoísmo.

Lula foi modesto ao desconsiderar que "os enormes prejuízos à Petrobras" decorrem de uma realização 100% sua. A estatal desceu ao balcão no seu primeiro mandato, sob olhares inertes de Dilma, então presidente do Conselho de Administração da Petrobras. Sobrevieram os crimes, a paralisia e o desgaste. Lula foi egoísta ao sonegar à oposição o direito de se opor. É como se desejasse exercer o monopólio da oposição a si mesmo.

A alturas tantas, Lula declarou que foi o PSDB que "tentou destruir a Petrobras" durante a gestão FHC. "E o nosso governo que a resgatou, retomou os investimentos que levaram à descoberta do pré-sal, e fizeram da Petrobras a maior produtora mundial de petróleo entre as empresas de capital aberto", exagerou, esquecendo-se de mencionar que, na missão de resgate da Petrobras, o petismo portou-se como um São Jorge que foi salvar a donzela e acabou casando-se com o dragão.

Lula prosseguiu: "A verdade está nos autos da investigação, mas não está nos jornais nem na tevê… Havia corrupção nos contratos que a Petrobras assinou com empresas estrangeiras no tempo deles. Isso nunca foi e nem será investigado." Referia-se ao trecho do depoimento do ex-gerente de Serviços da Petrobras, o delator Pedro Barusco, em que ele contou ter começado a receber propinas de uma empresa holandesa entre 1997 e 1998, ainda sob FHC. Lula só soube disso porque as autoridades investigam e os jornais noticiam.

Um dia depois da divulgação do depoimento em que o delator Barusco estimou em até US$ 200 milhões as propinas repassadas à tesouraria do PT, Lula inocentou integralmente a legenda: "A verdade é que apesar de todo o alarido, não há nenhuma prova contra o nosso partido nesse processo. Nenhuma doação ilegal, nenhum desvio para o partido. Nada. O que eles querem é criminalizar o dinheiro legal que o PT usou nas suas campanhas."

Como que receoso de queimar a mão, Lula afastou-a ligeiramente das labaredas: "Se algo de concreto vier a ser encontrado, se alguém tiver traído a nossa confiança, que seja julgado e punido dentro da lei, porque o PT, ao contrário dos nossos adversários, não compactua e nem compactuará com a impunidade de quem quer que seja." Hã, hã…

Convidada a fechar a noite de discursos, Dilma ecoou Lula num ponto. Ela também enxerga pendores golpistas na oposição. "Os que são inconformados com o resultado das urnas só têm medo de uma coisa: a mobilização da sociedade em defesa das instituições e em repúdio a qualquer tentativa de golpe contra a manifesta vontade popular."

Dilma exibiu o muque de sua língua: os golpistas "têm medo da democracia, nós temos força. Nós temos força porque estamos juntos para enfrentar e vencer a ação dos que buscam retrocesso. Temos força para resistir ao oportunismo e ao golpismo, inclusive quando ele se manifesta de forma dissimulada. […] Estamos juntos para vencer aqueles que tentam forçar catástrofes e flertam com a aventura." Por ora, a descrição se encaixa como luva nos delatores que suam seus dedos-duros para obter favores da Justiça. Uma aventura nova, que não foi vivenciada na apuração do mensalão.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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