Falta à reação de Dilma um bom samba-enredo
Josias de Souza
10/02/2015 05h05
Em reunião emergencial com seu staff de conselheiros, a presidente exibiu disposição para colocar o bloco na avenida. Falta-lhe, porém, um samba-enredo. Forçada a trocar a fábula da campanha pela cartilha fiscal de Joaquim Levy, Dilma ficou sem assunto.
Há na agenda da presidente apenas problemas. São três os mais graves: 1) a mistura de PIB estagnado com carestia indomada, 2) a fobia do apagão, e 3) a petropilhagem. A ruína econômica e energética é parte do legado que Dilma deixou para si mesma. O assalto à Petrobras começou sob Lula e lhe caiu sobre a cabeça.
Dilma tem muito pouco, quase nada a dizer sobre tais encrencas. Primeiro porque sua disposição para a autocrítica cabe numa caixa de fósforos. Segundo porque, se falasse a sério sobre corrupção, romperia os laços de cumplicidade que a unem a Lula. Habituou-se, então, a dizer empulhações que ofendem a inteligência alheia.
De resto, acostumada a uma oposição que não se opunha, Dilma passou a enxergar o fantasma do golpismo em cada vírgula emitida por tucanos e assemelhados. Na noite de sexta-feira, ao discursar na festa de 35 anos do PT, ela disse:
"Os que são inconformados com o resutado das urnas só têm medo de uma coisa: da mobilização da sociedade em defesa das instituições e em repúdio a qualquer tentativa de golpe contra a manifesta vontade popular, porque eles têm medo da democracia, nós temos força."
No final da tarde do dia seguinte, o Datafolha informaria que a popularidade da presidente recém-reeleita despencou 19 pontos percentuais desde dezembro. Ela ficou impressionada com a quantidade de brasileiros que a consideram falsa (54%), indecisa (50%) e desonesta (47%).
Caiu-lhe a ficha. Antes de mobilizar a sociedade, terá de reconquistá-la. Dilma agora fala em sair do Planalto, viajar aos Estados, conceder mais entrevistas… Cogitou levar o rosto à tevê, num pronunciamento que seria transmitido em rede nacional depois do Carnaval. Uma pergunta flutua na atmosfera: para dizer o quê?
Foi num desses pronunciamentos levados ao ar em cadeia (ops!) nacional que Dilma, sob influência de João Santana, prometeu, no ano passado, conta de luz barata e energia perpétua (repare no vídeo abaixo). Nessa época, em vez de estimular o consumo, o governo deveria ter deflagrado uma campanha de uso racional da energia.
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Foi numa entrevista concedida no ano pré-eleitoral de 2009 que Dilma criticou uma CPI criada para varejar a Petrobras (assista a seguir). Nessa época, Dilma ainda presidia o Conselho de Administração da estatal. E os diretores partidários nomeados sob Lula já assaltavam a companhia, em conluio com as empreiteiras. São evidências de que não convém soltar Dilma na avenida sem algum ensaio e sem um bom samba-enredo.
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Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.