PMDB apoia Levy e lava roupa suja com Mercadante em jantar na casa de Temer
Josias de Souza
24/02/2015 05h07
Graças a um pedido de Dilma Rousseff, Michel Temer incluiu o chefe da Casa Civil Aloizio Mercadante na lista de convidados do jantar que reuniu os caciques do PMDB com a equipe econômica do governo. Aconteceu na noite desta segunda-feira, na residência oficial do vice-presidente da República. A cozinha do Palácio do Jaburu ofereceu aos comensais de Temer duas opções de prato: salmão ou filet mignon. Mas os dirigentes do PMDB cuidaram para que Mercadante experimentasse algo indigesto. Serviram-lhe o pão que o Tinhoso amassou.
O ministro Joaquim Levy (Fazenda) deixou o encontro saboreando a promessa de apoio do PMDB ao seu ajuste fiscal. Nada mal para alguém que apanha do PT sem que o Planalto o defenda. Ironicamente, coube ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, um desafeto de Dilma, fazer a mais eloquente defesa do ajuste fiscal. Temos que ter responsabilidade nesse momento, disse ele. O PMDB não pode faltar ao país, emendou.
Mercadante levou do jantar, atravessados na traqueia, os recados dos peemedebistas para Dilma. Híspido como um cacto, o presidente do Senado, Renan Calheiros, chegou mesmo a questionar a existência da coligação partidária encabeçada pelo PT. Como está, disse Renan, essa coligação já não funciona. Na prática, não existe mais, completou.
Informado com antecedência sobre a presença de Mercadante, Renan ensaiou sua coreografia com os senadores Romero Jucá e Eunício Oliveira. Para desassossego do olheiro de Dilma, os três crivaram o governo de críticas. Mercadante viu-se compelido a reconhecer a existência de problemas. Admitiu que talvez seja mesmo o caso de rediscutir o funcionamento da coalizão. Mas ponderou que um jantar organizado para analisar a conjuntura econômica não seria o melhor foro para debater a debilidade da articulação política. Comprometeu-se a organizar um encontro da caciquia do PMDB com Dilma. E pôs-se a discorrer sobre economia.
Na sua vez de falar, Temer reforçou a intenção do PMDB de prover apoio legislativo ao esforço do governo para sair do buraco fiscal em que está metido. E falou de política. Não pretendia tratar do tema, afirmou. Mas já que foi mencionado… Revelou que se sente desconfortável dentro dos sapatos. De um lado, é apertado pelo partido, que não se considera representado sob Dilma. Do outro, é pressionado pelo governo, que se queixa de falta de apoio, mas não aciona o gabinete do vice senão quando há incêndios a apagar no Congresso. Temer avaliou que a conversa do PMDB com Dilma, cogitada por Mercadante, é mesmo necessária. A coalizão precisa ser rediscutida.
O vice de Dilma acha que seu talento para a articulação política é subutilizado. Minutos antes, Eunício Oliveira, líder do PMDB no Senado, dissera que o chamado G6, grupo que reúne os conselheiros de Dilma, tornou-se um feudo do PT. A exclusão de Temer desse colegiado é vista pelos peemedebistas como um despautério.
Temer declarou que, quando o governo o aciona, colhe bons resultados. Recordou a polêmica que envolveu o projeto que Dilma enviara ao Congresso no ano passado para desobrigar o governo de cumprir as metas de superávit fiscal. Disse que, não fosse por sua interferência, pela habilidade de Jucá ao relatar a proposta e pela firmeza com que Renan toureou a oposição, o governo jamais teria prevalecido.
Eunício mencionara em sua intervenção que, na votação do projeto que liberou o governo para descumprir a meta de superávit de 2014, o Planalto não conseguia nem mesmo mobilizar sua tropa para manter o quórum no plenário do Congresso. No dia da votação, fui buscar senador para votar às duas e meia da madrugada, disse Eunício. O [José] Sarney, apesar da idade, ficou em plenário até as cinco da manhã, acrescentou Eunício. E o governo não valoriza o PMDB, lamuriou-se.
Romero Jucá, espécie de 'pau-pra-toda-obra' do governismo, declarou que o governo, por desarticulado, não consegue nem mesmo embrulhar adequadamente o pacote de ajustes que enviou ao Congresso. Daqui a quatro anos estarei disputando eleições, disse Jucá. E não posso ostentar um discurso baseado apenas em ajuste fiscal, acrescentou. Para ele, o mote tem de ser a retomada do crescimento econômico.
Há um quê de ressentimento nas observações dos senadores do PMDB. Eles se queixam de Dilma desde a formação do ministério do segundo mandato da presidente. De resto, enxergam em Mercadante um adversário político, não um aliado. O auxiliar de Dilma ocupa a Casa Civil como se usufruísse do segundo melhor emprego do país, depois do massagista particular de Paola Oliveira. Os peemedebistas acham que uma das principais diversões de Mercadante é puxar o tapete do PMDB.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.