Empresas da Lava Jato podem disputar concessões, informa o ministro da CGU
Josias de Souza
09/06/2015 05h44
Num instante em que o governo anuncia um novo plano de concessões, o ministro Valdir Simão, da Controladoria-Geral da União, informou: "Temos 29 processos de responsabilização de empresas implicadas no caso Lava Jato. […] Tecnicamente, não há impedimento, no momento, para que elas participem de qualquer processo licitatório. Somente após a conclusão do processo de responsabilização —sendo punidas— é que elas ficariam impedidas. Portanto, não há impedimento no momento."
E se as empresas ganharem contratos de concessão e forem condenadas posteriormente? "Uma eventual declaração de inidoneidade —essa talvez seja a pena mais grave— não tem impacto nos contratos existentes", declarou Simão. "Elas [as empreiteiras do cartel da Petrobras] podem continuar executando. Contratos pré-existentes à data da declaração de inidoneidade podem ser executados. Após declarada a inidoneidade, ela não pode assinar nenhum contrato."
O que o ministro Valdir Simão declarou, com outras palavras, foi o seguinte: se as concessões de estradas, ferrovias, aeroportos e portos forem licitadas antes da conclusão das investigações da CGU, o governo não moverá um dedo para impedir a participação de empreiteiras que trocaram propinas por negócios na Petrobras. Se uma companhia corrupta vencer o certame, assinará o contrato. Se for condenada depois, ninguém no governo se surpreenderá. A concessionária é corrupta? Pois que seja uma corrupta parceira do Estado.
Ironicamente, o chefe da CGU fez tais considerações ao lado do colega da Justiça, José Eduardo Cardozo. Os dois haviam convocado uma entrevista para anunciar a abertura de uma consulta pública (o áudio está disponível no rodapé). Destina-se a recolher sugestões dos brasileiros para aperfeiçoar os mecanismos de combate à roubalheira.
A alturas tantas, Cardozo soou assim: "Quem imaginar que o problema da corrupção se resolve com uma varinha de mágica está tendo uma visão completamente equivocada da realidade." Segundo ele, o que Lula e Dilma fizeram foi "criar mecanismos de combate à corrupção." Algo que teria despertado nas pessoas a falsa impressão de que os governos petistas são mais corruptos.
"Quando você coloca a corrupção a nu, ela passa a ser um problema percebido pela sociedade", teorizou o ministro da Justiça. "Aí aumenta essa sensação, como se nunca tivesse existido antes a corrupção, e agora há. Isso não é verdade. É que hoje você tem mecanismos que podem combater de frente a corrupção, que não se tinha no passado."
Se a plateia entendeu bem as palavras do ministro da Justiça, os governos Lula e Dilma apertaram o cerco à corrupção um pouco como o viciado que, conhecendo as próprias fraquezas, cerca a bebida e a droga com um sistema de alarmes contra ele mesmo. Dando-se crédito às declarações de Cardozo, o mensalão e o petrolão foram escândalos benignos, urdidos para demonstrar aos brasileiros o quanto são eficientes os mecanismos anticorrupção criados nos últimos 12 anos.
Nessa versão, tudo o que foi apurado é verdade, menos a parte que envolve o Dirceu, o Genoino, o Delúbio e o João Paulo com a compra de votos no Congresso. Lula e o PT já esclareceram que a mesada para os aliados foi invenção do Jefferson. A Lava Jato também misturaria fato e ficção. Tudo é real, menos o dinheiro repassado por baixo da mesa ao Vaccari. A participação do tesoureiro preso do PT é ficção. A propina destinada às arcas da legenda é efeito especial.
Lula e Dilma "agiram com muita firmeza e sem titubear", disse o ministro da Justiça. "Mas nós precisamos avançar mais. Então, eu preciso dar respostas mais céleres. Eu preciso ter mais mecanismos de transparência. Eu preciso ter respostas mais ágeis do Estado brasileiro, justamente para que, ao detectar um mal, ao colocá-lo sob a luz do sol, eu encontre o remédio que a sociedade possa verificar."
Nesse contexto, o ministro Valdir Simão, afirmou que "a lei anticorrupção [sancionada por Dilma há dois anos e regulamentada em janeiro de 2015] é importantíssima para o país, é um avanço significativo. É uma lei que vai trazer certamente, a médio prazo, um processo de higienização na relação do setor público e do setor privado. As empresas, por terem responsabilidade objetiva, vão ter que tomar muito cuidado daqui para a frente."
A grande novidade contida na lei citada pelo chefe da CGU foi a possibilidade de impor sanções às empresas corruptoras —por exemplo: multas salgadas e a decretação da inidoneidade, que impede a logomarca de firmar contratos com o Estado. O diabo é que há três meses, quando a Polícia Federal, a Procuradoria e o juiz Sérgio Moro intensificaram o cerco às empreiteiras do cartel da Petrobras, o ministro Cardozo dobrou os joelhos.
"É preciso separar as pessoas das empresas", disse o titular da Justiça no final de fevereiro, como a insinuar que a punição deveria alcançar apenas os executivos das empreiteiras. "Temos que ter cuidado para não atentar contra a economia, contra o emprego e contra o bem-estar da sociedade."
Nesta segunda-feira (8), Valdir Simão realçou que, das 29 empresas que respondem a processo administrativo na CGU, quatro já manifestaram o desejo de firmar acordos de leniência, como são chamadas as delações feitas por pessoas jurídicas. "É sabido que algumas dessas empresas são players [atores] importantes, atuam no âmbito de infraestrutura e logística", disse o mandachuva da Controladoria, como a endossar o raciocínio segundo o qual a punição de empreiteiras seria um atentado "contra a economia, contra o emprego e contra o bem-estar da sociedade."
Perguntou-se a Simão quando serão anunciados os veredictos da CGU sobre as empreiteiras da Lava Jato. E ele: "Cada processo tem uma história diferente. O que nós normatizamos no âmbito da Controladoria é que o processo de responsabilização tem um prazo de 180 dias, que pode ser prorrogado. E os eventuais acordos de leniência também. O prazo é o mesmo: 180 dias, podendo ser prorrogado."
Simão prosseguiu: "Alguns processos se iniciaram em dezembro, o prazo de 180 dias já venceu, e já foi prorrogado. Outros foram instaurados agora, em fevereiro, ainda estão dentro do prazo. Mas é muito difícil ter uma definição do prazo de conclusão. Até porque nós ainda estamos coletando provas junto ao Ministério Público. O próprio Ministério Público ainda não concluiu a investigação da Lava Jato. Eu não posso precisar [um prazo], até porque não sei qual é o cronograma das concessões."
Quer dizer: o plano de concessões que Dilma escolheu para inaugurar o que chama de "agenda positiva" pode se converter num novo escândalo esperando para acontecer. Conforme já foi comentado aqui, a solução seria terceirizar o Brasil às empreiteiras. (abaixo, a íntegra do áudio da entrevista dos ministros Cardozo e Simão)
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.