Collor virou símbolo inconsequência da Era Lula
Josias de Souza
19/07/2015 07h08
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O vocábulo governabilidade tornou-se um abracadabra para a caverna de Ali-Babá. Juntaram-se hienas, raposas, aves de rapina, abutres e roedores de toda espécie. E anotaram na tabuleta da porta: 'Base Aliada'. Deu em Lava Jato, que é uma espécie de mensalão hipertrofiado. O Brasil evoluiu da condição de escândalo para a de escárnio. Em pleno ocaso, a República petista ganhou um símbolo para sua inconsequência: Fernando Collor de Mello.
Há cinco meses, em 23 de fevereiro, Lula discursou para uma plateia de petroleiros, no Rio de Janeiro (veja trechos no vídeo acima). Sustentou a tese segundo a qual a Petrobras virou manchete policial graças à ação de uma "elite que não se conforma com a ascensão dos mais pobres." E disse não se envergonhar de nada:
"Qual é a vergonha que a gente pode ter se, numa família de 86 mil pessoas, alguém fez um erro, alguém fez uma caca. O que acontece na tua família quando alguém faz uma caca. A gente faz a admoestação, faz o castigo necessário. O que a gente não pode é jogar a Petrobras fora por causa de meia dúzia de pessoas ou de 50 pessoas."
Lula aconselhou Dilma Rousseff a levantar a cabeça. Apresentou-se como modelo: "Sou filho de uma mulher analfabeta, de um pai analfabeto. E o mais importante legado que minha mãe deixou foi o direito de eu andar de cabeça erguida. E ninguém vai fazer eu baixar a cabeça neste país. Honestidade não é mérito, é obrigação."
Alguém que chama o assalto de R$ 19 bilhões à Petrobras de caca, que compara os saqueadores a uma família e ainda consegue se apresentar à nação enrolado na bandeira da honestidade ou é um cínico ou é um tolo. E em nenhuma das hipóteses é o Lula que seus pais analfabetos supunham existir. Para esse filho ingrato, a fantasia é preferível ao inferno —ou ao Michel Temer, que Lula crê ser a mesma coisa.
Imaginava-se que o impeachment de Collor e a posse de Itamar Franco —o Temer da época— entrariam para a história como marcos redentores. A promiscuidade de um PC Farias comercializando sua influência no governo e dividindo os proventos com o presidente pareciam ótimas oportunidades para o país tomar vacina contra seus vícios. Mas deu tudo errado. Um escândalo produziu outro, e outro, e mais outro… Até desaguar no mar de lama do mensalão. Que escorreu para o oceano do petrolão.
Considerando-se que Lula patrocinou as nomeações dos petrogatunos e que o PT governa há 13 anos escorado em sarneys, renans e collors, fica claro que o objetivo do lero-lero de Lula é o de desobrigar o Brasil de fazer sentido. Golpeado por Collor abaixo da linha da cintura na campanha presidencial de 1989, Lula pegou em lanças pelo impeachment. Nessa época, o morubixaba do PT chamava Collor de "ladrão".
Guindado ao Planalto, Lula incorporou o "larápio" à sua base de apoiadores. Em 2009, premiou o neocompanheiro com duas diretorias da BR Distribuidora, a poderosa subsidiária da Petrobras. Levou-o a tiracolo, junto com Renan Calheiros, outra impoluta figura, em comícios travestidos de inaugurações de obras. Afagou-os nos discursos.
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A exemplo dos antecessores, Lula optou por sustentar-se sobre um paradoxo: na vitrine, dizia transformar o Brasil. No subsolo, premiava o Brasil refém das empreiteiras —país dos trambiques, das licitações falsas, do 'quanto eu levo nisso'. Dilma herdou seus esquemas.
Na semana passada, cumprindo 53 mandados de busca e apreensão expedidos pelo STF, a Polícia Federal varejou endereços seletos. Entre eles a Casa da Dinda, de triste memória. Os federais recolheram na propriedade mimos que deram à plateia uma pálida ideia do tamanho da generosidade dos dindos que sustentam o fausto de Collor. Cruzaram os portões uma Lamborghini, uma Ferrari e um Porsche.
A reincidência de Collor tornou-se a principal evidência de que o Brasil continua sendo um país por fazer. Da tribuna do Senado, o amigo de Lula queixou-se: "Fui humilhado". Língua em riste, Collor rosnou: "Isso é degradante, isso é atitude de covardes, de facínoras que se dizem democratas, que se aproveitam da democracia, mas que, na prática, aplicam a autocracia e ela se aproveitam."
Renan Calheiros endossou o colega: "Causam perplexidade alguns métodos que beiram a intimidação." Para o presidente do Senado, houve "violência contra as garantias constitucionais em detrimento do Estado democrático de direito." Quer dizer: no Brasil da Era petista, esse país que se desobrigou de fazer sentido, só o contribuinte pode sofrer violência.
Enquanto esteve coesa, a aliança partidária que deu suporte aos governos do PT durante os últimos 13 anos parecia um saco de gatos. Implodida pela Operação Lava Jato, a coligação revelou-se um saco de ratos. Desmascarados, tentam colocar a culpa no queijo.
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Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.