Receio de panelaço inspirou silêncio do Planalto
Josias de Souza
17/08/2015 03h03
Após mais um domingo de protestos nacionais —o terceiro em menos de oito meses—Dilma Rousseff reuniu-se na noite de domingo (16) com quatro ministros petistas. Seguiu-se ao encontro um silêncio quebrado apenas por uma lacônica nota de uma linha da Secretaria de Comunicação Social da Presidência: "O governo viu as manifestações dentro da normalidade democrática".
Incomodado com o mutismo do Planalto, um parlamentar governista tocou o telefone para um dos ministros que estiveram com Dilma. O silêncio de vocês pode ser confundido com abulia, reclamou. O auxiliar da presidente respondeu que pior seria se o governo fornecesse pretexto para um novo panelaço. De resto, disse que uma avaliação mais alentada será feita nesta segunda-feira, após reunião de Dilma com o vice Michel Temer e os membros da coordenação política do govenro.
Participaram da conversa noturna com Dilma os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), José Eduardo Cardozo (Justiça), Jaques Wagner (Defesa) e Edinho Silva (Comunicação Social). Para se livrar da curiosidade dos repórteres, entraram e saíram por um portão lateral do Palácio da Alvorada. Avaliaram que, diante das circunstâncias, a terceira onda de protestos não produziu abalos capazes de inibir os esforços do governo para tentar superar as crises política e econômica.
Celebrou-se no Alvorada o fato de as manifestações deste domingo terem levado ao meio-fio multidões menores do que as de 15 de março, mais próximas das de 12 de abril. Ruim para o PSDB, acreditam Dilma e seus ministros, já que o partido presidido por Aécio Neves veiculara comerciais no rádio e na tevê convocando as pessoas para as manifestações.
Mantido o script esboçado no Alvorada, as reações oficiais desta segunda-feira seguirão o manual: respeito ao direito do brasileiro de se manifestar pacífica e democraticamente, disposição do governo de trabalhar para superar as dificuldades políticas e econômicas e respeito ao resultado das urnas de 2014.
Não se ouvirá nada parecido com o que foi dito pelo ministro Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência) em 15 de março. Naquele dia, Rossetto provocara a ira das panelas ao dizer que os protestos eram coisa de eleitores que não votaram em Dilma. Acrescentara que "não é legítimo o golpismo, a intolerância, o impeachment infundado que agride a democracia".
Neste domingo, o desejo de afastar Dilma do cargo ficou ainda mais nítido. Em São Paulo, informa o Datafolha, 85% dos manifestantes gostariam que a presidente facilitasse as coisas, renunciando ao cargo. A renúncia não virá. Mas Dilma poupará a platéia de uma nova entrevista de Rossetto. Quem for escalado para falar terá de caprichar na humildade.
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Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.