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Cunha condiciona acerto com governo à permanência na presidência da Câmara

Josias de Souza

15/10/2015 03h15

Num instante em que Dilma Rousseff alardeia que jamais participará de negociações que envolvam "malfeitos" e desafia seus rivais a indicarem uma nódoa que comprometa sua "reputação ilibada", o governo se oferece para ser a boia de salvação de Eduardo Cunha. O que parecia inviável até o início da semana tornou-se provável nas últimas horas. O deputado já orçou para o governo o preço do arquivamento do impeachment. Envolve sua permanência na presidência da Câmara. O que pressupõe o sepultamento do pedido de cassação que corre contra ele no Conselho de Ética da Casa.

O governo busca celebrar com Cunha um acerto do tipo 'uma mão lava a outra'. Participam da operação a própria Dilma, representada nas conversas pelo ministro Jaques Wagner (Casa Civil), e o antecessor Lula, que desembarcou em Brasília no final da tarde desta quarta-feira. Por sugestão de Lula, foi atraído para a articulação o vice-presidente Michel Temer. Beneficiário direto de um eventual afastamento de Dilma, Temer almoçou nesta quarta-feira com Cunha e o presidente do Senado, Renan Calheiros. Fez isso a pedido de Wagner. Durante o repasto, Cunha sinalizou pela primeira vez a hipótese de mudar de lado. Antes fechado com a oposição, ele disse que, se o governo o tratar bem, saberá retribuir.

De saída, Cunha cobra o enquadramento do pedaço da bancada federal do PT que deseja ver sua cabeça apartada do pescoço. Dos 62 deputados petistas, 34 subscreveram o pedido de cassação do mandato de Cunha protocolado no Conselho de Ética da Câmara pelo PSOL e pela Rede Sustentabilidade. Entre os rebelados estão petistas da Bahia, vinculados ao negociador Jaques Wagner. Por exemplo: a deputada Moema Gramacho e os deputados Jorge Solla e Afonso Florence.

Lula já providenciou um pré-enquadramento do PT. Evitou que o movimento dos petistas anti-Cunha fosse vendido como posição partidária. E providencia para que a legenda evite que as assinaturas se transformem em votos contra Cunha. Em diálogo privado, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) disse a um interlocutor que, se o governo negociar os votos dos petistas que querem o escalpo de Cunha, talvez não consiga entregar a mercadoria.

Cunha tampouco se dispõe a entregar seu trunfo de bandeja para o governo sem um mínimo de segurança quanto às contrapartidas. Ele sinaliza a intenção de cozinhar o pedido de impeachment em banho-maria até que sejam dissolvidas as dúvidas. O deputado trabalha, por exemplo, com a hipótese de aguardar pelo julgamento no plenário do STF das três liminares que suspenderam nesta semana a eficácia das regras para a tramitação do processo de impeachment. Regras que ele havia adotado em combinação com os partidos de oposição.

As liminares do STF, expedidas pelos ministros Teori Zavascki e Rosa Weber, propiciaram a abertura de diálogo do governo com Cunha. Nos subterrâneos, aliados de Dilma celebram os despachos de Teori e Rosa como presentes de Natal fora de época. Entre as regras que foram suspensas está a que previa um recurso ao plenário caso o presidente da Câmara indeferisse o pedido de impeachment. Inviabilizada essa possibilidade, Cunha passou a ser o juiz monocrático cuja caneta decretará o arquivamento ou a abertura de processo contra a presidente da República.

Conforme já comentado aqui, Cunha levou o impeachment de Dilma ao martelo. Leiloa sua consciência. Recebe lances do governo e da oposição. A julgar pelo que diz aos próprios oposicionistas, o deputado considera que o govenro dispõe de mais cacife para atendê-lo. Insinua que sua condição penal se deteriorou rapidamente graças à sua proximidade com os partidos que se opõem ao Planalto. Faz uma comparação com Renan Calheiros. Insinua que a proximidade de Renan com o Planalto inibe o avanço das investigações contra ele na Lava Jato. Nessa versão, Cunha difunde a tese segundo a qual o ministro petista José Eduardo Cardozo (Justiça) conspiraria contra ele. O presidente da Câmara se associa a Lula no lobby pela substituição de Cardozo.

Hoje, Cunha frequenta os processos da Lava Jato na condição de denunciado pela Procuradoria no STF por corrupção e lavagem de dinheiro. Se o Supremo aceitar a denúncia, Cunha passa a ser réu. Há, de resto, as provas enviadas pela Promotoria da Suíça ao Brasil, comprovando que Cunha e parentes dele mantêm naquele país milionárias contas secretas. Esse material deve fundamentar uma nova denúncia contra Cunha no Supremo.

Se conseguir firmar um entendimento com Cunha, o governo de Dilma alcançará o ápice da eficiência. Ele mesmo permitiu que Cunha realizasse rentáveis negócios na Petrobras. Ele mesmo fechou os olhos para as propinas que escorregaram para as contas do deputado. E ele mesmo negocia com Cunha um acordo para livrá-lo pelo menos da cassação. O problema desse tipo de acordo é que as engrenagem da Lava Jato continua rodando. Nessa matéria, uma mão pode até lavar a outra. Mas o resto continua sujo.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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