Sob Cunha, Câmara vive monarquia absolutista
Josias de Souza
09/12/2015 19h04
Ao comentar a decisão do STF de sustar o processo do impeachment para averiguar a legalidade das decisões tomadas pela Câmara, o vice-presidente Michel Temer declarou: "Isso revela exatamente que nós vivemos num regime de uma normalidade democrática extraordinária. As instituições estão funcionando, devemos preservar aquilo que as instituições estão fazendo. E revelar com isso a democracia plena do país." Engano. Há pelo menos uma instituição com o fusível queimado no Brasil. E é justamente a Câmara dos Deputados. A disfuncionalidade fica evidente no Conselho de Ética da Câmara.
Sob Eduardo Cunha, estrela do partido de Michel Temer, vigora na Câmara uma monarquia de fato. Nesse sistema político, só uma pessoa usa a coroa, o manto e o cetro. No caso, o próprio Cunha. Como se sabe, há dois tipos de monarquia: as absolutas e as constitucionais. Cunha optou pelo primeiro modelo. O absolutismo lhe parece mais divertido. Autoproclamou-se Dom Cunha Primeiro, o único. No momento, dedica-se a desmoralizar a Câmara, desfilando sua amoralidade pelos corredores do prédio de Niemeyer como se nada tivesse sido descoberto sobre o seu passado recente.
Fora das dependências do Congresso, Dom Cunha se depara com a República, cuja proclamação ele passou a considerar um erro —especialmente depois que as instituições republicanas começaram a iluminar seus calcanhares de vidro e suas contas na Suíça. Enquanto não consegue restaurar a monarquia no país inteiro, o neo-soberano exerce seu poder absoluto nos domínios da Câmara.
Depois de atravessar o impeachment na taqueia de Dilma, presidente de uma República pré-falimentar, Dom Cunha Primeiro cuida de imobilizar o Conselho de Ética da Câmara, impedindo que o colegiado lhe exija explicações. Soberano que é soberano não deve nada a ninguém. Muito menos explicações. Ao destituir o relator do processo de cassação do seu mandato praticamente sem resistências, Cunha, o único, tornou-se uma evidência caricatural de que a "normalidade democrática" de que fala Michel Temer é uma ficção.
Ou a República injeta por meio da Procuradoria e do STF alguma anormalidade no reino da Câmara ou Dom Cunha logo anunciará que a monarquia vale para todo o Brasil. O que será uma pena, já que todos sabem que a república é superior à monarquia. Sobretudo porque os grupos que mandam no Executivo e no Legislativo são mudados de tempos em tempos —exceto, evidentemente, pelo PMDB, que continua.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.