Temer: quem afasta presidente antes do impeachment é o Senado, não a Câmara
Josias de Souza
14/12/2015 05h03
No livro 'Elementos de Direito Constitucional' (Editora Malheiros), o professor e constitucionalista Michel Temer lecionou: "Instaurado o processo pelo Senado Federal, verifica-se a imediata suspensão do presidente do exercício de suas funções." Embora suscinta, a posição de Temer aproxima-se da tese defendida em pareceres enviados ao Supremo por Dilma, pelo presidente do Senado Renan Calheiros e pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot.
Para esse trio, o Senado não é obrigado a instaurar o processo recebido da Câmara. Pode enviá-lo ao arquivo pelo voto da maioria dos senadores. Nessa hipótese, Dilma não amargaria o afastamento temporário. O deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara, contesta esse entendimento.
Para Cunha, se os deputados aprovarem a abertura de processo contra Dilma, os senadores são obrigados a realizar o julgamento. Nessa versão, a decisão da Câmara é que seria determinante para a suspensão da presidente. O Senado apenas cumpriria a formalidade de notificá-la, para que cedesse a poltrona ao vice, que exerceria as funções de presidente interinamente, até a conclusão do julgamento.
As regras do processo de impeachment estão previstas na lei 1.079, de 1950. Nela, está escrito que o afastamento do presidente por 180 dias começa logo que a Câmara decide que o processo deve ser aberto. Já a Constituição de 1988 prevê que a suspensão se dá após a instauração do processo no Senado. Aliado de Dilma, o PCdoB pediu ao STF que esclareça essa e outras dúvidas sobre a tramitação do impeachment. Fez isso por meio de uma ferramenta chamada ADPF, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Vão abaixo algumas considerações feitas pelo professor Temer em seu livro sobre a tramitação do processo que pode levar o político Temer à poltrona de presidente da República:
(…)
A Câmara dos Deputados haverá de autorizar a instauração do processo pela maioria qualificada de 2/3 de seus membros. Essa autorização significa a existência de fortes indícios da prática do delito gerador da acusação. Não é julgamento. Este se faz no Senado Federal. Para autorizar, a Câmara dos Deputados processará a acusação, instruindo o processo, que será remetido ao Senado Federal. Este julgará. O processo já virá instruído da Câmara dos Deputados. Tanto que esta, em razão da instrução probatória, em que há de assegurar-se ampla defesa, apura os fatos que levam à autorização.
"Instaurado o processo pelo Senado Federal, verifica-se a imediata suspensão do presidente do exercício de suas funções. Somente a ideia de apuração pormenorizada dos fatos levaria o constituinte a determinar o impedimento do presidente. É impedimento temporário, pois o presidente reassumirá suas funções se o Senado deixar de condená-lo.
Se o presidente da República renunciar ao seu cargo quando estiver em curso processo de responsabilização política, deverá ele prosseguir ou perde o seu objeto, devendo ser arquivado?
O artigo 52, parágrafo único, fixa duas penas: a) perda do cargo; e b) inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública.
A inabilitação para o exercício de função pública não decorre de perda do cargo, como à primeira leitura pode parecer. Decorre da própria responsabilização. Não é pena acessória. É, ao lado da perda do cargo, pena principal. O objetivo foi o de impedir o prosseguimento no exercício— já agora não das funções daquele cargo de que foi afastado, mas de qualquer função pública, por um prazo determinado.
Essa a consequência para quem descumpriu deveres constitucionalmente fixados. Assim, porque responsabilizado, o presidente não só perde o cargo como deve afastar-se da vida pública, durante oito anos, para 'corrigir-se', e só então poder ele retornar.
A renúncia, quando já iniciado o processo de responsabilização política, tornaria inócuo o dispositivo constitucional se fosse obstáculo ao prosseguimento da ação.
Basta supor a hipótese de um chefe de Executivo que, próximo do final de seu mandato, pressentisse a inevitabilidade da condenação. Renunciaria e, meses depois, poderia voltar a exercer função pública (ministro de Estado, secretário de Estado etc.), participando dos negócios públicos dos quais o processo de responsabilização visava a afastá-lo.
Assim, havendo renúncia, o processo de responsabilização deve prosseguir para condenar ou absolver, afastando, ou não, sua participação da vida pública pelo prazo de oito anos.
Neste tema, convém notar que o julgamento do Senado Federal é de natureza política. É juízo de conveniência e oportunidade. Não nos parece que, tipificada a hipótese de responsabilização, o Senado haja de, necessariamente, impor penas. Pode ocorrer que o Senado Federal, considere mais conveniente a manutenção do presidente no seu cargo. Para evitar, por exemplo, a deflagração de um conflito civil; para impedir agitação interna. Para impedir desentendimentos internos, o Senado, diante da circunstância, por exemplo, de o presidente achar-se em final de mandato, pode entender que não deva responsabilizá-lo.
Foi para permitir esse juízo de valor que o constituinte conferiu essa missão à Câmara dos Deputados (que autoriza o processo) e ao Senado Federal. Não ao Judiciário, que aplica a norma ao caso concreto, segundo a tipificação legal.
A decisão condenatória tem a força própria da coisa julgada? É irrevisável pelo Judiciário?
Responde-se da seguinte forma: o Judiciário não pode reexaminar o mérito da questão que levou o Senado a responsabilizar o presidente. Esse juízo é feito, única e exclusivamente, pelo órgão político.
Entretando, nada impede que o presidente da República sirva-se de mandado de segurança contra a Mesa da Câmara e do Senado Federal, para demonstrar —se for o caso— que houve irregularidade procedimental em descumprimento ao texto constitucional e à lei especial referida no parágrafo único do artigo 85.
O Judiciário não examinará o mérito, examinará a forma procedimental…"
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.