Ciclismo fiscal pode virar a marca da era Dilma
Josias de Souza
23/12/2015 06h02
Dona de uma personalidade opaca, Dilma Rousseff tornou-se uma presidente à procura de um estilo. Falta-lhe uma marca. Não por muito tempo. Se depender do senador Acir Gurgacz (PDT-RO) a presidente logo ganhará uma marca que vale por uma tatuagem —a marca da irresponsabilidade fiscal.
Relator da prestação de contas do governo Dilma de 2014, Gurgacz sugere que a peça seja aprovada. Repetindo: o senador propõe que o Congresso jogue no lixo o parecer do Tribunal de Contas da União que recomenda a rejeição das contas de madame. De novo: o companheiro deseja que Parlamento faça vista grossa para pedaladas que espetaram R$ 57 bilhões na tesouraria de bancos públicos.
A justificativa do senador é uma primorosa: "Temos 14 Estados que, nesse ano de 2014, não cumpriram a meta fiscal. Estados governados por vários partidos. Por isso a importância de fazermos um relatório baseado na legalidade, na Constituição e não só baseado no presidente atual mas na condição de gestão dos governos."
O que Gurgacz afirmou, com outras palavras, foi o seguinte: "Além da presidente da República, 14 governadores descumpriram a Lei de Responsabilidade Fiscal em 2014. A farra, por generalizada e suprapartidária, merece perdão. Há na praça 13 governadores que honraram seus compromissos, evitando aderir ao ciclismo fiscal. Fizeram papel de bobos. Merecem receber uma lição."
A bela iniciativa de gastar o dinheiro do contribuinte para remunerar auditores capazes de auxiliar o Congresso na sua nobre tarefa de fiscalizar o Executivo não sobreviverá às sucessivas desmoralizações do TCU. Com o parecer de Gurgacz, o órgão revela-se, mais do que inútil, irrelevante.
Confirmando-se o perdão a Dilma, o Congresso pode começar a pensar na transformação da sede do TCU em alguma outra coisa –talvez uma prisão de segurança máxima para abrigar os corruptos, única corporação que se desenvolve no setor público além dos ciclistas fiscais.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.