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Moro oferece dados para TSE superar cinismo

Josias de Souza

15/02/2016 03h54

O convívio com a impostura é um velho hábito da Justiça Eleitoral. A acintosa promiscuidade financeira das campanhas políticas tornou-se tão 'normal' no Brasil que as milionárias eleições presidenciais não ocorreriam sem elas. O fenômeno nunca resultou em condenações porque o TSE ainda não se lembrou de cumprir a lei. Aceita as fantasias construídas pelas tesourarias dos comitês de campanha como se fossem prestações de contas legítimas. E se abstém de cassar mandatos de inquilinos do Planalto. A Lava Jato exigirá uma dose extra de cinismo para manter a fantasia que historicamente substitui e camufla a realidade.

Em ofício enviado ao TSE, Sérgio Moro adicionou realidade na farsa. O juiz da Lava Jato não só insinuou que a Justiça Eleitoral foi ludibriada como indicou o caminho que o TSE deve seguir para comprovar que o PT lavou dinheiro de propinas na bacia das doações eleitorais. Diante dos dados fornecidos pelo magistrado, o tribunal pode interromper o ciclo de conivência ou manter o velho hábito do convívio com a impostura.

O mapa da mina que Moro entregou ao TSE veio à luz em notícia veiculada no site de Veja, na noite deste domingo. Nela, os repórteres Daniel Pereira e Felipe Frazão contam que o magistrado anotou em seu ofício: "Destaco que na sentença prolatada na ação penal 5012331-04.2015.404.7000 reputou-se comprovado o direcionamento de propinas acertadas no esquema criminoso da Petrobras para doações eleitorais registradas [na Justiça Eleitoral]."

Neste processo mencionado por Moro, foram condenados o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e o ex-diretor da Petrobras Renato Duque, um preposto do petismo na petrogatunagem.

Ofício endereçado por Sérgio Moro ao Tribunal Superior Eleitoral (reprodução do site de Veja)

Correm no TSE quatro ações pedindo a cassação dos mandatos de Dilma e do vice-presidente Michel Temer (veja no quadro do rodapé). Todas foram protocoladas pelo PSDB. O tucanato acusa a campanha presidencial do PT de abuso de poder político e econômico. Cita "gastos acima do limite". Menciona o "recebimento de doações oficias de empreiteiras contratadas pela Petrobras como parte de distribuição de propinas."

Arriscando-se a ensinar reza a um vigário cego, Moro sugeriu ao TSE que interrogue delatores da Lava Jato que confirmaram a conversão de propinas em 'doações' eleitorais oficiais e em caixa dois de campanha.

Escreveu o juiz: "Saliento que os criminosos colaboradores Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa, Pedro José Barusco Filho, Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, Milton Pascowitch e Ricardo Ribeiro Pessoa declararam que parte dos recursos acertados no esquema criminoso da Petrobras era destinada a doações eleitorais registradas e não-registradas. Como os depoimentos [da Lava Jato] abrangem diversos assuntos, seria talvez oportuno que fossem ouvidos diretamente pelo Tribunal Superior Eleitoral a fim de verificar se têm informações pertinentes."

Acatando a sugestão do juiz, o TSE pode, por exemplo espremer o doleiro Yousseff para que ele detalhe o trecho de sua delação em que declarou que Dilma e Lula tinham conhecimento do esquema criminoso na Petrobras.

O tribunal pode também esmiuçar o depoimento do delator Ricardo Pessoa. Dono da construtora UTC, o empreiteiro informou ter sido coagido pelo petista Edinho Silva a repassar R$ 7,5 milhões desviados da Petrobras para a campanha de Dilma. Deu-se na sucessão de 2014, quando Edinho, atual ministro da Comunicação Social da Presidência, era tesoureiro do comitê reeleitroal de Dilma.

Com algum esforço, pode-se enxergar o lado bom da situação, mesmo que seja necessário procurar um pouco. O Brasil vive um período excepcional de sua história. Advogados de Dilma tentam evitar que o TSE utilize as informações recebidas de Moro. Natural. Gente que plantou bananeira dentro dos cofres da Petrobras poderá repetir a respeito das propinas que amealhou: "Calma, gente! É só doação eleitoral registrada no TSE."

Se essa gente for cumprimentada por ministros aliviados da Corte eleitoral, o brasileiro chegará a um melhor entendimento sobre a importância relativa da ética. Acostuma-se a conviver com a lenda das eleições limpinhas pensando: "Na Síria está pior."

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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