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Moro foi protagonista invisível da posse de Lula

Josias de Souza

17/03/2016 12h46

Sérgio Moro converteu-se em protagonista invisível da cerimônia que deveria ser estrelada por Lula. Sem mencionar-lhe o nome, Dilma Rousseff dedicou mais espaço em seu discurso para o juiz da Lava Jato do que para o novo ministro-chefe da Casa Civil. Acusou o magistrado de divulgar "grampos ilegais" com o propósito de "convulsionar a sociedade brasileira em cima de inverdades, de métodos escusos, de práticas criticáveis."

Em timbre inflamado, Dilma disse que, com seus métodos, Moro "viola princípios e garantias constitucionais, viola os direitos dos cidadãos e abre precedentes gravíssimos." No arremate do raciocínio, ela incluiu o magistrado entre os personagens que atentam contra o seu mandato: "Os golpes começam assim."

A cerimônia foi embalada por uma claque de militantes sindicais e de movimentos sociais. A plateia entoava coros e bordões importados do ambiente partidário. Coisas como "não vai ter golpe". Ou "o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo". Do lado de fora do palácio, policiais militares suavam o uniforme para separar manifestantes pró-governo de pessoas que acorreram à Praça dos Três Poderes para protestar contra a concessão de foro privilegiado para o investigado Lula.

Dilma falou sobre a reocupação do asfalto, que já havia roncado no domingo, em manifestação de dimensões históricas. Dilma enxerga o vulto de Moro rente ao meio-fio. A alturas tantas, declarou:

"Para o bem do Brasil, todo esse barulho, que não é a voz rouca das ruas, mas é uma algaravia advinda da excitação de pré-julgamentos, ela deve acabar, pelo bem do Brasil. Deve dar lugar à tranquilidade que conduz não só à paz social, mas também a veredictos qualificados e justos e ao ambiente de preservação e fortalecimento das instituições democráticas, nas quais os princípios do direito e o respeito às liberdades individuais vão emergir vitoriosos desses tempos algumas vezes difíceis e insensatos."

Dilma pegou em lanças contra Moro. "Nossa obrigação é enfrentar essa situação que ameaça degradar a Constituição e a Justiça, por ofender os seus princípios. Devemos combater esse ambiente que eletriza artificialmente o país. E deixa a população em estado de permanente sobressalto. Não interessa às brasileiras e aos brasileiros o ambiente que impede o funcionamento normal das instituições. Nem tampouco interessa ao país o ambiente que paralisa, que impede a retomada do crescimento e da geração de empregos."

A oradora não mencionou o nome de Moro nenhuma vez. Mas não deixou dúvidas de que falava do juiz da Lava Jato. A certa altura, referiu-se ao depoimento de Lula à Polícia Federal, feito sob coerção por ordem do juiz da Lava Jato. "…Não há Justiça quando delações são tornadas públicas de forma seletiva, para execração de alguns investigados e quando depoimentos são transformados em fatos espetaculares. Não há Justiça quando leis são desrespeitadas."

Para Dilma, Moro violou seus direitos ao divulgar diálogo que manteve com Lula no início da tarde de quarta-feira. "Não há Justiça para os cidadãos quando as garantias constitucionais da própria Presidência da República são violadas. O Brasil não pode se tornar submisso a uma conjuração que invade as prerrogativas constitucionais da Presidência da República. […] Se se ferem prerrogativas da Presidência o que farão com as prerrogativas dos cidadãos?"

Na versão de Dilma, seu diálogo com Lula foi desvirtuado. Brandindo um documento, ela declarou: "Eu estou guardando esta assinatura, desse termo de posse, como uma prova. Ocultaram que o que nós fomos buscar no aeroporto era esta assinatura, que está assinado o presidente Lula, mas não tem a minha assinatura."

Nesse enredo, Dilma enviara o termo de posse para Lula na véspera não que ele invocasse o foro privilegiado contra eventual ordem de prisão expedida por Moro, mas para colher sua assinatura antecipadamente, já que o novo ministro não poderia comparecer à cerimônia de posse.

Abespinhada, Dilma disse que irá às últimas consequências para esclarecer as circunstâncias que levaram sua voz a soar num grampo: "Estaremos avaliando, com precisão, as condições deste grampo que envolve a Presidência da República. Nós queremos saber quem o autorizou, por que o autorizou e por que foi divulgado quando ele não continha nada, nada eu repito, que possa levantar qualquer suspeita sobre seu caráter republicano."

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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