Lula tem quatro dias para se livrar de um fiasco
Josias de Souza
13/04/2016 04h48
O festejado roteirista de cinema Billy Wilder enumerou dez mandamentos que devem ser seguidos por quem deseja se dar bem no ofício. Diz o 6º mandamento: "Se você está tendo problemas com o terceiro ato, o verdadeiro problema está no primeiro ato."
A quatro dias da fatídica votação do impeachment no plenário da Câmara, Lula, autoconvertido em herói da resistência, tropeçou no terceiro ato. Hoje, sua presença em cena leva mais votos para o cesto da oposição.
Se Wilder estiver certo, o real problema está no primeiro ato, aquele em que Dilma telefonou para Lula e avisou: "Eu tô mandando o 'Bessias', junto com um papel, pra gente ter ele. E só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse."
Tomados em seu conjunto, os grampos que Sérgio Moro jogou no ventilador escancararam a manobra: Lula queria o foro privilegiado do STF, não a poltrona de ministro. Preocupava-se com o próprio pescoço, não com a pele de Dilma.
Lula tomou posse cercado pela claque do "não vai ter golpe". Antes que pudesse sentar na cadeira, o ministro Gilmar Mendes, do STF, suspendeu sua nomeação. Desde então, exerce a atribuição de ministro-chefe do quarto de hotel.
Recebe os políticos no escurinho da suíte. Com medo de grampos, exige que os celulares fiquem do lado de fora. Em tenebrosas transações, oferece mundos e, sobretudo, fundos a interlocutores de qualificação precária.
Lula não entrega a recompensa a vista. Emite metafóricos cheques pré-datados. Ministérios? Emendas orçamentárias? Só depois da votação, quando o governo poderá jogar ao mar ministros do PMDB sem correr o risco de perder as duas dúzias de votos que imagina possuir no partido do "conspirador" Michel Temer.
O sujeito saía dos encontros clandestinos interrogando seus botões: se Lula não consegue garantir nem a própria posse na Casa Civil, como acreditar que entregará o que promete?
A desconfiança potencializou-se depois que o procurador-geral Rodrigo Janot recomendou ao STF que torne definitiva a liminar que proibiu Lula de tomar posse. Como se fosse pouco, o chefe do Ministério Público Federal insinuou que pode processar Dilma por criar embaraços à Lava Jato ao fornecer a Lula o escudo do STF.
Num livro em que publicou suas conversas com Billy Wilder, Cameron Crowe conta que ele adicionou um 11º mandamento à sua lista. Anota: 'That's it. Don't hang around'. Em tradução livre: 'Pronto. Dê o fora'. No caso de Lula, dependendo do resultado de domingo, pode significar algo assim: "Absorva o fiasco, convença-se de que você é um ex-Lula e vá brincar com os netos em São Bernardo. No mais, reze para estar solto em 2018."
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.