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Na largada, ferramenta da gestão Temer é gogó

Josias de Souza

13/05/2016 16h26

Submetido a decepções em série, o brasileiro aprendeu a lidar com os governos. Jamais acredita piamente, que é para não perder o direito de piar depois de cada novo desapontamento. Com Michel Temer a taxa de desconfiança é descomunal. Está estampada num índice revelado em recente pesquisa do Datafolha: 60% dos brasileiros desejavam que o vice de Dilma fosse enviado mais cedo para casa junto com ela. Em resposta a esse cenário, o governo provisório do presidente interino exibiu nas suas primeiras horas de existência uma única ferramenta de gestão: o gogó. Nenhum anúncio bombástico. Nenhuma medida inadiável. Só saliva. Muita saliva. O governo reage à onda de descrença pedindo um voto de confiança.

A portas fechadas, a principal orientação feita por Temer em sua primeira reunião ministerial foi a seguinte: só Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, tem delegação para falar sobre economia. Na sequência, em entrevista coletiva, Meirelles anunciou que não dispõe de nada para anunciar. Disse ter pressa. Por isso, vai devagar com o andor. Acha natural que as pessoas, por "curiosidade ou ansiedade", queiram saber qual é a primeira ou a segunda medida. Mas prefere anunciá-las "no momento certo, depois de maturadas".

Sem citar o nome de Dilma ou dos seus antecessores na Fazenda, Meirelles deixou muito claro que deseja devolver à gestão econômica algo essencial: a confiança. Ele disse coisas assim: "Uma das questões mais relevantes, hoje, é exatamente a preocupação com metas que são anunciadas e que depois não se confirmam. Por exemplo: um déficit fiscal que depois é maior do que aquele que foi anunciado ou foi estimado num determinado momento. Ou medidas que não são viáveis ou se revelam insuficientes. De um lado, sim, temos pressa. Mas de outro lado é preciso que as medidas ou as metas sejam definitivas. As metas têm que ser anunciadas com realismo."

Meirelles não escondeu: o que está por vir são medidas amargas, duras de roer. Coisas como reforma previdenciária e da legislação trabalhista. Não descartou a alta "temporária" de impostos. Acredita que a sociedade está preparada para o tranco. Noutra entrevista, o ministro Eliseu Padilha, novo chefe da Casa Civil, ecoou Meirelles. O governo cogita cortar 4 mil cargos comissionados. Perguntou-se a Padilha se esse plano não azedará as relações do governo do PMDB com sua coligação fisiológica. Qualquer partido ou presidente que assumisse nas atuais circunstâncias "teria que tomar essas medidas", disse Padilha. "Sob pena de, até o final do ano, não ter condições de pagar salário."

Na conversa com Meirelles, um repórter quis saber se o ministro não receia o ronco das ruas. E ele: "Protestos fazem parte da democracia. […] Evidente que isso pode ocorrer. Em qualquer momento, em qualquer circunstância, as pessoas podem protestar contra aquilo que julgarem incorreto ou que fira os seus interesses. A manifestação é livre. Evidentemente, tem que prevalecer o intresse da sociedade no final do processo. Não se pode agradar a todos durante todo o tempo. Certamente o debate será bastante intenso. E as pessoas que se sentirem prejudicadas vão protestar. É legítimo, faz parte da democracia."

O discurso de Meirelles faz lembrar as manifestações de Joaquim Levy, aquele eleitor de Aécio Neves que Dilma havia escolhido para consertar, no segundo mandato, o estrago que ela própria fizera na sua primeira gestão. Levy teve um fim conhecido. Foi derretido junto com suas boas intenções de recuperar a economia num caldeirão em que se misturaram a inconsistência dos propósitos de Dilma, a resistência do PT e o esfarelamento da base congressual do governo. Meirelles age como se tivesse carta branca de Temer, aval do PMDB e uma base congressual disposta a matar no peito medidas impopulares, inclusive a elevação de impostos.

Mal comparando, é como se o ministro, escolhido para ser a cara do novo governo diante da crise econômica, tentasse reescrever um conto do escritor americano John Updike. Chama-se "Trust Me". Começa com uma cena corriqueira, à beira de uma piscina. Dentro d'água, o pai convida o filho, uma criança de quatro anos, a pular. Promete segurá-lo. "Confie em mim", ele diz. O garoto confiou. E experimentou a angustiante sensação de afundar rumo ao insondável. Antes de ser agarrado e içado à superfície pelo pai, o menino conheceu as bolhas e o desespero propiciado pela falta de ar.

Com outras palavras, o governo de Michel Temer dirige à sociedade o mesmo apelo que o pai fez ao filho: "Confiem em nós." No conto de Updike, ao ser retirado da piscina, o garoto decepcionado, ainda buscando o ar, ouviu o estalo do tapa que sua mãe desferiu na cara do pai descuidado. Diante da balbúrdia em que a administração Dilma mergulhou a economia brasileira, a ausência de anúncios bombásticos parece ser uma coisa boa. Todos preferem a segurança ao improviso. Mas fica boiando na atmosfera uma pergunta inquietante: o que fará a sociedade brasileira se o gogó do governo seminovo de Temer não corresponder aos fatos?

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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