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Gestão Temer virou futuro obsoleto em 12 dias

Josias de Souza

24/05/2016 04h23

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O governo provisório de Michel Temer passou da expectativa à decadência sem o estágio intermediário de pelo menos algo capaz de inspirar uma exclamação do tipo 'agora vai!'. Parece faltar ao substituto constitucional de Dilma Rousseff uma noção qualquer da dimensão histórica do momento. Temer desperdiça a sua hora.

O presidente interino precisa realizar duas tarefas: restaurar a normalidade econômica e promover uma certa assepsia nos negócios públicos. Para devolver a confiança aos investidores, o governo transitório pede ao Congresso que lhe entregue uma meta fiscal realista para 2016 —déficit de R$ 170,5 bilhões— e racionaliza seus gastos. Mas há na atmosfera uma fome de limpeza que Temer não consegue saciar. O déficit estético do governo é incalculável.

Temer faz juras de apreço à Lava Jato. Mas permanece abraçado ao pedaço do PMDB que é cúmplice do PT no assalto ao Estado. A coreografia da queda de Romero Jucá potencializou a incômoda sensação de que, por alguma razão, Temer não tem condições de se dissociar do naco apodrecido do PMDB.

Gravado numa conversa em que sugere que o impechment de Dilma e a ascensão de Temer criariam um ambiente propício à interrupção da Lava Jato, Jucá consolidou-se como uma espécie de vampiro solto no banco de sangue. Mas Temer continuou tratando o amigo como um reles bebedor de groselha.

Em vez de demiti-lo na primeira hora, Temer deu tempo a Jucá para explicar o inexplicável. As alegações não colaram. Mas a preocupação do Planalto era arrumar uma saída honrosa para Jucá, não uma satisfação adequada à opinião pública. Horas depois de informar que não deixaria o ministério, Jucá anunciou que pediria licença de um cargo para o qual jamais deveria ter sido nomeado.

Combinado o desfecho, Temer soltou uma nota. Nela, deixou a porta do governo entreaberta para o retorno de Jucá: o afastamento vai durar "até que sejam esclarecidas as informações divulgadas pela imprensa", anotou. Além de não recriminar, elogiou Jucá pelo "trabalho competente e a dedicação…"

A licença de Jucá é apenas retórica. Em verdade, ele será exonerado do cargo. Do contrário, não poderia reassumir seu mandato de senador. Sabe-se que são remotas as chances de retornar à Esplanada. O governo busca um substituto. O que torna ainda mais espantosa a reverência dispensada por Temer a Jucá.

Na semana passada, Temer já havia tratado com inusitado respeito uma demanda nada respeitosa do amigo Eduardo Cunha. Rendera-se à vontade do presidente afastado da Câmara, réu na Lava Jato, nomeando o preferido dele para o posto de líder do governo: o deputado André Moura, outro investigado da Lava Jato, réu em três ações penais no STF, uma delas por tentativa de homicídio.

Dono de uma carreira política de três décadas, Temer não é um neófito na matéria. Longe disso. Daí a suspeita de que ele se integra à banda suja do PMDB por necessidade. É como se precisasse se rebaixar para entrar em sintonia com o todo. Ou, por outra, age como se tivesse de assegurar a fidelidade ao grupo pela cumplicidade, igualando-se aos demais na abjeção.

A surpreendente submissão de Temer oferece a personagens como Jucá, Cunha e Renan Calheiros a tranquilidade de que o presidente interino jamais ameaçará a integridade do grupo com a alegação de que é diferente —ou inocente.

Ao vincular-se à turma que tem saudades do tempo em que os escândalos eram enterrados vivos e ninguém pedia exumação, Temer rende homenagens a réus, investigados por assalto aos cofres públicos e até um suspeito de tentativa de homicídio. Com isso, reforça a impressão de que, sem essa gente, seu governo perderia aquilo que lhe é vital: o enredo.

Em apenas 12 dias, a gestão de Michel Temer virou um futuro obsoleto. Logo, logo o lema positivista que o marqueteiro do PMDB retirou da bandeira para servir de slogan para o novo governo será substituído. Em vez de 'Ordem e Progresso', o mais adequado talvez seja 'Negócio é Negócio'.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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