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Lula agora fala sobre ‘prisão’ e se faz de vítima

Josias de Souza

11/06/2016 06h19

Lula está "chateado". Revelou o motivo à multidão que o ouvia discursar num ato anti-Temer, na noite desta sexta-feira. "Eu tô chateado porque todo dia eu leio uma matéria que diz assim: 'Eles querem prender o Lula, eles querem encontrar alguma coisa do Lula, eles querem que alguém delate o Lula'."

Horas antes do discurso de Lula, o procurador-geral Rodrigo Janot acrescentara uma novidade ao rol de chateações do orador. Ele solicitara ao STF que enviasse para Curitiba a denúncia em que Lula é acusado de participar de uma trama para comprar por R$ 250 mil o silêncio do delator Nestor Cerveró.

Nas mãos de Sérgio Moro, Lula terá mais razões para temer a prisão. Os indícios colecionados contra ele são abundantes. No caso do suborno oferecido a Cerveró em troca de silêncio, o delator de Lula é ninguém menos que Delcídio Amaral, um ex-senador petista com quem cansou de tricotar.

O cotidiano de Lula é uma sucessão de poses. Ele faz pose ao acordar, ao escovar os dentes, ao tomar café. Difícil saber quando as emoções de um personagem assim são ou não representadas. No comício desta sexta, Lula escolheu exibir à plateia sua pose de vítima.

"A paciência que eu tenho, eu herdei da minha mãe", ele disse, voz embargada. "Muitas vezes, ela não tinha comida para colocar na mesa. E ela não reclamava, dizia que no dia seguinte ia ter. E todo dia eu leio uma coisa. É o meu filho que é dono da Friboi, é o meu filho que tem avião, é o Lula que não sei das quantas… É o PT que é uma organização criminosa."

Lula desrespeita a memória de dona Lindu, sua mãe, ao mencioná-la num contexto em que mistura boatos ridículos que circulam internet sobre a fortuna do filho Fábio Luís e a vasta folha corrida do seu partido. No momento, o filho de Lula que frequenta as manchetes em apuros é Luís Cláudio, o caçula. Nada a ver com boatos.

Luís Cláudio enroscou-se no Operação Zelotes. De início, era investigado por ter recebido R$ 2,5 milhões da firma Marcondes & Mautoni, acusada de comprar medidas provisórias. Ao apalpar os dados bancários do caçula de Lula, porém, a PF verificou que transitaram por sua conta bancária e de sua empresa cerca de R$ 10 milhões. Apura-se a origem da verba. Decerto haverá uma explicação.

Na sua superioridade moral auto-presumida, Lula diz que tem uma coisa que ele não perdoa. Repetiu um par de vezes: "Não perdôo, não perdôo." O quê? "A atitude de vazamento ilícito de conversas minhas no telefone, como foi feito algum tempo atrás", disse ele. "Sinceramente, não admito."

Lula construiu uma tese: "Aquilo teve o objetivo tentar execrar a minha imagem, pra eu não ser presidente." E completou, alteando a vou rouca: "Quanto mais eles provocarem, mais eu corro o risco de ser candidato a presidente em 2018."

A tese de Lula não fica em pé. O vazamento do grampo não foi ilegal. Liberou-o o doutor Sérgio Moro. A correção da providência é algo que o STF ainda não julgou. Quanto ao objetivo, não há dúvida: Moro foi movido pelo desejo inconfessável de mostrar ao país que Lula topara virar ministro de Dilma para obter o escudo do foro privilegiado.

Os diálogos deixaram Lula e Dilma nus em praça pública. Num dos grampos, Lula diz para Dilma: "Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado. Somente nos últimos tempos é que o PT e o PCdoB começaram a cordar e começaram a brigar. Nós temos um presidente da Câmara fodido, um presidente do Senado fodido. Não sei quantos parlamentares ameaçados. E fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e vai todo mundo se salvar. Sinceramente, eu tô assustado com a República de Curitiba."

Noutro trecho, percebe-se que o idealismo de Lula, sua vontade de servir o país como ministro, sua entrega altruísta ao bem público, tudo isso estava impulsionado pelo pavor de ser preso e pela ânsia de se esconder sob as togas dos ministros do STF.

Num dos áudios mais eloquentes, Dilma flerta com a falsidade ideológica ao mandar elaborar com antecedência o termo de posse que impediria os agentes federais de executarem uma eventual ordem de prisão expedida pelo juiz da Lava Jato contra Lula. Vale a pena relembrar o teor da fita:

Dilma: "Lula…"

Lula: Oi querida

Dilma: Chô te falar uma coisa.

Lula: Hãã…

Dilma: Eu tô mandando o 'Messias', junto com um papel, pra gente ter ele. E só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse.

Lula: Hã, hã…

Dilma: Tá?

Lula: Ah, tá bom, tá bom.

Dilma: Só isso, ele tá indo aí.

Lula: Tá bom, tô aqui, fico aguardando.

Dilma: Tchau.

Lula: Tchau, querida.

Poucas horas depois, sem saber que sua voz soara na escuta da Polícia Federal, Dilma concedeu entrevista no Planalto. A certa altura, perguntaram-lhe se a nomeação de Lula para a Casa Civil da Presidência destinava-se a retirá-lo do alcance da caneta do doutor Moro. E Dilma:

"Vamos falar a verdade: a vinda do Lula para o meu governo fortalece o governo. Tem gente que não quer que ele seja fortalecido. O que eu posso fazer? A troco de quê eu vou achar que a investigação do juiz Sérgio Moro é melhor do que a investigação do Supremo? Isso é uma inversão de hierarquia, me desculpa!"

O resto é história. Mesmo nomeado por Dilma, Lula não conseguiu sentar-se na cadeira de ministro. Sua pupila caiu antes. Agora, a caminho da "República de Curitiba", faz pose em comício. Mas sabe que um político não pode ser apenas uma sucessão de poses. É preciso que por trás da pose exista uma noção qualquer de honestidade.

 

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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