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PT tenta reaprender o ofício do oposicionismo

Josias de Souza

14/08/2016 04h32

Com início marcado para 25 de agosto, a deposição de Dilma Rousseff tornou-se um mal necessário até para o Partido dos Trabalhadores. É crescente o número de petistas que, em privado, reconhecem que Dilma virou um fardo pesado demais para ser carregado até 2018. Paradoxalmente, constatam que há males que vêm para pior. O PT havia se equipado para desfrutar dos confortos do poder ininterrupto por pelo menos 16 anos. Agora, sofre para reaprender a fazer oposição.

Desde a sua fundação, há 36 anos, o PT é uma congregação monoteísta. Lula, o fundador, jamais admitiu o culto a outro deus. Em termos doutrinários, o PT construiu durante sua existência oposicionista uma pregação escorada na ética. Dessacralizado pela Lava Jato, Lula está prestes a ser denunciado pela força-tarefa de Curitiba. Os procuradores convenceram-se de que foi com o seu permanente beneplácito que o PT se converteu de templo da moralidade em centro de coleta de fundos ilícitos.

Assim, o PT toma o caminho de volta para a oposição diante de uma conjuntura que expõe os pés de barro de sua divindade e sonega à legenda o papel que ela melhor desempenhava quando era estilingue. O PT já não pode jogar pedras nos telhados de vidro dos outros sem parecer ridículo. Metidos em roupas de vidro, seus líderes apenas ecoam o Lula de 2005, pós-mensalão: "O que o PT fez é o que é feito no Brasil sistematicamente."

Lula passou novamente por Brasília na semana passada. Dessa vez, seus devotos abstiveram-se de trombetear a lorota segundo a qual ele voara à Capital para socorrer Dilma. Queria salvar a si próprio. Em reunião com congressistas do PT, aconselhou-os a apertar os cintos, porque o partido está pousando na sua nova realidade. Encomendou a defesa do seu legado. É como se não tivesse percebido que a ruína de Dilma aniquilou o Brasil grande do pré-sal e do pleno emprego.

O PT busca o que os devotos de Lula chamam de "narrativa" para o pós-impeachment. Algo que permita ao partido reconstruir o seu discurso. O problema é que Dilma amou tanto o caos —e foi tão correspondida— que o discurso do "golpe" perdeu a funcionalidade. Lula, Dilma e o PT já não conseguem culpar os outros pelos erros que cometeram. Seus herois estão presos em Curitiba. E o marqueteiro João Santana, mestre na composição das narrativas do PT, reivindica agora o papel de delator. Ajuda a empurrar Dilma para dentro do petrolão.

Devolvido à oposição por sua ambição desmedida, o PT terá de descer do sonho do poder hegemônico para o pesadelo da impotência minoritária. Enfrentará certa dificuldades para se opor às propostas de Michel Temer, já que o ajuste fiscal havia sido assumido por Dilma como uma prioridade retórica. Madame defendeu da reforma da Previdência à recriação da CPMF.

No mais, o petismo terá de incluir em sua narrativa um lote de explicações sobre os confortos de Lula. Os brasileiros estão curiosos para saber como um certo homem, confundido com o homem certo, apropriou-se de um cobiçado imóvel, tomando um dado sítio por um sítio dado.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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