PSDB diz a Temer que o PMDB lidera emboscada fiscal que custará R$ 5 bi
Josias de Souza
19/08/2016 05h12
No jantar que teve com Michel Temer na noite de quarta-feira, o grão-tucanato disse, com outras palavras, que o PMDB comanda no Senado uma emboscada fiscal. O partido do presidente recolhe assinaturas para impor o regime de urgência na votação do projeto que eleva os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil. Esses contracheques servem de referência para outros vencimentos no serviço público. Quando eles sobem, os demais vão junto. Relator da proposta, o senador tucano Ricardo Ferraço (ES) fez as contas: "Isso vai abrir uma porteira por onde passarão gastos de R$ 5 bilhões por ano."
Ferraço estava entre os tucanos que dividiram a mesa de jantar do Jaburu com Temer. Apoiado por outros cinco companheiros de ninho que participaram do encontro, entre eles Aécio Neves, o senador compartilhou suas angústias com o anfitrião. "Fomos dizer para o presidente Temer que precisamos alinhar nossos diagnósticos. O dignóstico do PSDB é bem diferente do diagnóstico do PMDB", contou Ferraço ao blog. "Eu disse ao presidente: nós faremos o nosso papel, mas quem tem que dar um jeito no PMDB é o senhor."
Na definição de Ferraço, "as corporações sequestraram o Estado brasileiro." E o PMDB ajuda a elevar o preço do resgate. "Enquanto nós levantamos diques de contenção, o líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), pega assinaturas de outros líderes no plenário do Senado para atribuir regime de urgência ao projeto que aumenta os salários do Supremo", queixa-se o relator tucano. "Há outra proposta que dá aumento aos defensores públicos. Hoje, um defensor público em início de carreira recebe R$ 17 mil. Eles querem R$ 30 mil. Nós seguramos. E a senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), que é líder do governo no Congresso, diz que não tem problema nenhum, que isso já está analisado pelo governo, que não tem impacto."
Sob Temer, o governo começou a escancarar seus cofres vazios para as corporações no início de junho. Uma semana depois de arrancar do Congresso autorização para fechar suas contas em 2016 com um rombo de R$ 170,5 bilhões, o Planalto autorizou seus apoiadores na Câmara a aprovar um megapacote bilionário de reajustes salariais e benefícios para corporações de servidores públicos.
Num surto corporativo que manteve as fornalhas do plenário da Câmara acesas até as 2h47 da madrugada do dia 2 de junho, os deputados aprovaram 14 projetos de lei. Juntos, somavam 370 páginas. Continham bondades destinadas a 38 carreiras do Estado —de ministros do STF a funcionários do Ibama. Tudo foi decidido a toque de caixa, em votações simbólicas. Os deputados apenas levantaram ou abaixaram a mão para mostrar que a turma do "sim" era maioria esmagadora. Nesse dia, os tucanos seguiram a maioria. "Foi um erro", diz Ferraço, olhando pelo retrovisor.
Horas antes de se render às corporações, uma comitiva de tucanos liderada pelo deputado baiano Antonio Imbassahy, líder do PSDB na Câmara, encontrara-se com Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda. Indagado a respeito da farra salarial, cujo custo o próprio governo estimara em R$ 58 bilhões até 2019, o czar da economia atribuíra a atmosfera de liberou-geral ao Planalto. Temer avalizara a aprovação de reajustes que Dilma negociara.
Diante da atmosfera de fato consumado, apenas um deputado tucano escalou a tribuna da Câmara para discursar contra os reajustes. Chama-se Nelson Marchezan Júnior (PSDB-RS). Ele declarou na época: "Dizem aqui que não posso ser mais realista que o rei. Se o governo encaminha tudo isso, devemos votar a favor. Quero lembrar que acabamos de depor uma rainha porque ela administrou as contas públicas contrariamente ao interesse popular. Tiramos na expectativa de que o novo governo administraria para o interesse popular. Espero que esse novo rei mude sua forma de reinar, para que ele não siga no mesmo caminho da rainha deposta. Espero também que as operações da Lava Jato, anunciadas para os próximos dias, não tenham nenhuma relação com esse açodamento de votar esse rombo de algumas centenas de bilhões de reais."
Durante o jantar de quarta-feira, Temer disse aos visitantes tucanos que teve receio de provocar uma onda de greves se deixasse de avalizar os reajustes que o governo Dilma se comprometera a conceder. Afirmou que, efetivado no cargo, terá força para se contrapor às corporações. Segundo Ferraço, o PSDB enxerga na proposta de aumento dos salários dos ministros do Supremo uma boa oportunidade para que Temer demonstre que evoluiu do "treino" da interinidade para o "jogo" do governo definitivo.
"O desastre do governo Dilma aparece no diagnóstico que o Ministério da Fazenda faz hoje", argumenta o tucano Ferraço, egresso do PMDB de Temer. "Vivemos uma espécie de economia do pós-guerra. Em situações assim, é preciso socializar os sacrifícios. No momento, os brasileiros não brigam por reajustes. Lutam para preservar seus postos. Nós, que estamos no topo da cadeia alimentar, precisamos dar exemplo. Graças a vinculações constitucionais conquistadas pelas corporações que sequestraram o Estado, quando você mexe no salário do ministro do Supremo, puxa para o alto juízes, desembargadores, deputados federais, senadores, deputados estaduais, o diabo. Aprovar uma coisa dessas agora seria um escárnio. Sobretudo num momento em que estamos começando a discutir a emenda constitucional que fixa um teto para os gastos públicos."
O que disse Temer diante das ponderações? "Ficamos com a impressão de que o presidente Michel Temer tem essa compreensão de que chegou a hora de adotar o slogan 'é proibido gastar'. Mas o PMDB, partido dele, não pensa da mesma maneira. Há uma clara falta de sintonia entre as necessidades do país e aquilo que o PMDB está fazendo. O pior é que o PMDB puxa os outros partidos. Os caras falam: 'pô, se o PMDB dá de ombros, por que eu deveria enfrentar as corporações?'"
Como em todas as reivindicações salariais, há argumentos em defesa dos reajustes da turma do Supremo e dos outros que incidiriam em cascata. Alega-se que os contracheques estão defasados. O que é nada perto do desemprego. De resto, os ministros do STF não são obrigados a permanecer pendurado na folha do Estado, de onde extraem remuneração mensal de R$ 33,7 mil, mais mordomias.
Há na praça advogados que ganham, num par de causas, o equivalente à renda de dois anos de uma toga do Supremo. Mas isso se deve à escolha que fizeram de se submeter às incertezas da banca privada. Os ministros do STF ganham algo como 20 vezes o salário médio pago no Brasil. Sob crise, nada mal para quem escolheu a segurança do serviço público, com sua aposentadoria integral..
"Falamos com o presidente Temer de maneira muito respeitosa", recordou Ricardo Ferraço. "Dissemos para ele: olha, presidente, a partir da semana que vem, livre da interinidade, seu governo precisa ser outro. Nada a ver com novos ministros ou coisas do gênero. Legitimado pela Constituição, o presidente terá de se legitimar também por suas atitudes."
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.