Topo

Duelo Cunha X Dilma se transfere para os livros

Josias de Souza

13/09/2016 04h57

Consumidos pelo fato consumado da perda absoluta do poder, Dilma Rousseff e Eduardo Cunha se equipam para travar uma nova batalha. Os dois guerrearão nas páginas dos livros que prometem escrever sobre os bastidores do impeachment. Dessa vez disputarão o enredo de um pedaço da história brasileira que se tornou o pesadelo do qual ambos tentam acordar.

Dilma e Cunha têm todo o direito de publicar relatos sobre suas quedas. Mas as versões despertarão mais interesse pela fofoca de bastidor do que pela relevância penal ou historiográfica. Madame e seu algoz converteram-se numa sucessão de poses. E qualquer relato que forem capazes de fazer serão suspeitos porque traduzirão os fatos a partir da visão de duas poses.

Ainda que resolvam não mentir, Dilma e Cunha tendem a selecionar as verdades que lhes convém contar. Dilma chamará Cunha de corrupto. Talvez recorde que o personagem estreou na vida pública em 1989, como colaborador de Paulo César Farias, tesoureiro da campanha presidencial de Fernando Collor.

Entretanto, não haverá no livro de Dilma nenhum capítulo explicando por que permitiu que Cunha e o próprio Collor se tornassem sócios do petismo no assalto à Petrobras. Tampouco haverá na obra meio parágrafo sobre os motivos que levaram Dilma a manter numa vice-presidência da Caixa Econômica um apadrinhado de Cunha, hoje delator da Lava Jato.

Cunha também chamará Dilma e o PT de corruptos. Mas não dirá nenhuma palavra sobre as razões que o fizeram cuspir no prato apenas depois que já não era mais possível comer nele. Acusará Dilma de ter autorizado os repasses de verbas sujas que João Santana, o marqueteiro das campanhas petistas, entesourou na Suíça. Mas não confessará a origem espúria dos milhões que ele próprio ocultava no estrangeiro.

Dilma e Cunha habituaram-se a dizer que foram cassados por vingança. Ambos têm razão. Mas é improvável que escrevem em seus livros que o sentimento de revide nasceu de uma traição entre comparsas. Talvez omitam o jantar que tiveram no Alvorada, durante o qual chegaram a selar um acordo de proteção mútua.

Ela lançaria mão de uma alegada influência no Supremo Tribunal Federal para interceder por ele junto a cinco ministros da Corte. Ele, em contrapartida, enviaria ao arquivo todos os pedidos de impeachment formulados contra madame. Uma mão sujaria a outra.

No fundo, é como se Dilma e Cunha se preparassem para escrever pedaços de suas autobiografias. Nelas, continuarão sendo personagens principais. Ainda não decidiram se morrerão no final.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Duelo Cunha X Dilma se transfere para os livros - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


Josias de Souza