Para ministro, mudar ensino médio é tão importante quanto reformar economia
Josias de Souza
28/09/2016 04h40
Até a semana passada, se perguntassem a uma autoridade do governo quais são as três prioridades da gestão de Michel Temer, a resposta seria: economia, economia e economia. Desde a última quinta-feira (22), um tema alternativo disputa as atenções dos brasileiros no noticiário e nas redes sociais: a reforma do ensino médio. "Temos que colocar a educação no mesmo patamar de prioridade das reformas econômicas", disse o responsável pela novidade, o ministro Mendonça Filho, em entrevista ao UOL. A íntegra da conversa pode ser assistida no rodapé da reportagem. Os trechos mais relevantes estão distribuídos em vídeos enxertados ao longo do texto.
Petrificado e ineficiente, o ensino médio tornou-se uma unanimidade nacional. Difícil encontrar alguém que discorde da necessidade de reformá-lo. Mas vinha prevalecendo em Brasília o entendimento segundo o qual a melhor maneira de resolver o problema era discuti-lo exaustivamente. Exaustos, os debatedores tinham a sensação de que sua preocupação era útil. E não precisavam resolver nada. Guindado ao comando da pasta da Educação há quatro meses e meio, o deputado licenciado Mendonça Filho (DEM-PE) migrou do debate acadêmico à prática. Convenceu Temer a baixar a reforma do ensino médio por MP (medida provisória).
Diferentemente de um projeto de lei, a MP vigora a partir de sua publicação no Diário Oficial. E os congressistas têm a obrigação de apreciá-la em até 120 dias. O ritmo de toque de caixa gerou muitas críticas. O ministro Mendoncinha, como é chamado pelos amigos, disse ter ficado "pasmo" (repare no vídeo abaixo). "Medida provisória para atender urgência e relevância no campo econômico é sempre justificável. No campo social da educação, que vive um drama terrível, algumas pessoas ficam meio que arrepiadas. Não tem que ter arrepio. É uma medida legislativa com base na Constituição, que estabelece urgência e relevância."
A reforma do ensino médio havia sido debatida sob Lula. E nada. Na campanha à reeleição, em 2014, Dilma prometeu adotá-la. Foi deposta antes que pudesse esboçar a intenção de cumprir a palavra. Tramita na Câmara, há quase quatro anos, projeto de lei sobre o tema. Tem o apoio da maioria dos secretários estaduais de Educação. Nem assim consegue furar a fila da pauta de votações do plenário. Há 20 dias, vieram à luz os dados do último Ideb (Índice de Desenvolvimento de Educação Básica). Exibiram, uma vez mais, o flagelo do ensino médio. Apenas dois Estados, Pernambuco e Amazonas, lograram cumprir as metas.
Segundo o ministro, foi o resultado do Ideb, o mais completo instrumento de aferição da má qualidade da educação brasileira, que o levou a agir. "A gente teve o segundo Ideb consecutivo desde 2011 em que não atingimos as metas fixadas para a educação de nível médio no Brasil", disse Mendonça. "A gente tem um flagelo de 1,7 milhão de jovens que nem trabalham nem estudam. Muitas vezes são dragados e atraídos pela criminalidade, pelas drogas, nas grandes e médias cidades do Brasil. É um drama humano."
O ministro dá de ombos para os que o criticam por ter convencido Temer a adotar a via da medida provisória, imprimindo à reforma que se arrastava há vários anos um ritmo de truque cinematográfico. "A gente tem que agir com urgência e velocidade, para atender esses jovens brasileiros", disse Mendonça (veja no vídeo abaixo). "A reforma é para atender os jovens do Brasil, não é para atender as corporações ou quem quer que seja. Todas devem colaborar, porque o objetivo central é atender a juventude brasileira, que não se vê identificada com o formato atual da educação de nível médio e que quer protagonizar e definir o seu próprio futuro."
Três antecessores de Mendonça, ex-ministros da Educação na gestão Dilma, apressaram-se em criticar o conteúdo da MP da reforma: Aloizio Mercadante, Renato Janine Ribeiro e Henrique Paim. Declararam-se preocupados com a intenção de flexibilizar o currículo do ensino médio, coração da proposta do governo Temer. Receiam que a providência, se mal administrada, acabe por submeter os estudantes a um tratamento desigual —na hora de selecionar as disciplinas optativas às quais se dedicariam na metade final do curso, alguns alunos teriam um número maior de opções do que outros.
Instado a comentar os reparos feitos pela troica de ex-ministros, Mendonça estranhou que nenhum deles tenha sugerido uma alternativa. Da defesa, o auxiliar de Temer foi ao contra-ataque: "O PT passou 13 anos no poder ao longo dos governos do ex-presidente Lula e da ex-presidente Dilma. Até cunhou uma frase muito forte do ponto de vista de marketing, que é 'Brasil, pátria educadora'. Mas os resultados na área da educação no Brasil são absolutamente deprimentes e distantes daquilo que seria razoável."
Mendonça realçou que o insucesso do petismo não pode ser atribuído à falta de verbas (assista abaixo). Segundo ele, num intervalo de 12 anos "o orçamento do Ministério da Educação saiu de R$ 43 bilhões para mais de R$ 130 bilhões. Então, a gente triplicou o orçamento sem que a gente tivesse o mesmo desempenho em termos de qualidade na aplicação dos recursos e melhoria do desempenho em termos de aprendizado." Irônico, o ministro declarou que a equidade entre os alunos será atingida com atitudes urgentes, não com marketing.
O repórter recordou a Mendonça que, em essência, a reforma que Dilma, candidata à reeleição, prometera fazer no ensino médio não é muito diferente do modelo encampado sob Temer. Ferrenho adversário do petismo, o ministro do DEM viu-se compelido a reconhecer: "Houve, sim, uma manifestação, na sua propaganda televisiva, de compromisso daquilo que é essencial em termos de reforma de educação de nível médio no Brasil. Inclusive os vídeos circulam na internet." O que faltou à presidente deposta, procovou Mendonça foi "coragem ou disposição de levar a reforma adiante."
Com o debate sobre o tema já caindo de maduro, escorado na posição praticamente unânime dos secretários estaduais de Educação a favor da reforma, Mendonça sugeriu a Temer que fizesse o que sua ex-companheira de chapa se absteve de fazer (veja o que disse o ministro no vídeo abaixo). "Com esse respaldo e com a discussão bastante aprofundada, o presidente tomou a decisão de enviar para o Congresso a medida provisória que reforma a educação de nível médio no Brasil."
Espera obter apoio pluripartidário à proposta, incluindo o PT? "Espero. Se por ventura o PT puder colaborar nessa direção, será bem-vindo. Educação não pode ter uma divisão partidária. O que se deve discutir, eventualmente, é se a reforma é necessária, se interessa ao Brail, se atende aos interesses dos jovens. Portanto, todos os partidos que queiram colaborar nessa direção são bem-vindos, disse Mendonça (assista abaixo).
Se os planos do governo Temer forem endossados pelo Congresso, os estudantes terão uma sala de aula bem diferente a partir de 2018. O ensino médio, porta de entrada nas universidades, dura três anos. Hoje, todos os alunos são obrigados a aprender nesse período o conteúdo de 13 disciplinas —português, matemática, inglês, espanhol, química, física, biologia, artes, educação física, história, geografia, filosofia e sociologia.
Com a reforma, os alunos serão submetidos, na primeira metade do curso, a um currículo obrigatório mais enxuto. À exceção de português e matemática, outras disciplinas podem ser excluídas da grade. A nova Base Nacional Curricular, que fixa o pedaço do currículo que é obrigatório, será definida no primeiro semestre de 2017.
A ideia é que na parte final do curso, com um ano e meio de duração, o aluno possa escolher livremente as disciplinas que deseja cursar. Mendonça esmiuçou as novidades na entrevista. Você pode conferir o que disse o ministro nos dois vídeos que se seguem. No primeiro, ele fala sobre o pedaço do currículo do ensino médio que será comum a todos, na primeira metade do curso. No segundo vídeo, o ministro discorre sobre a metade final do curso, aquela em que o aluno terá liberdade para escolher disciplinas que ornem com suas aptidões.
Uma das críticas mais estridentes à reforma do ensino médio foi feita pelo apresentador Fausto Silva no seu programa dominical, na TV Globo. "Essa porra desse governo nem começou, não sabe se comunicar e já faz a reforma sem consultar ninguém", disse Faustão. Ele se indignara com a interpretação errônea de que o governo decidira excluir desde logo, de uma canetada, a educação física do currículo do ensino médio.
"Então, o país que mais precisa de educação faz uma reforma com cinco gatos pingados que não entendem porra nenhuma, que não consultam ninguém e aí, de repente, tiram a educação física, que é fundamental na formação do cidadão!", bateu Faustão. Conforme noticiado aqui, o próprio Michel Temer preocupou-se em telefonar para o apresentador. Instado a comentar as declarações do astro global, Mendonça muniu-se de panos quentes. Disse respeitar Faustão. Atribuiu suas críticas à falta de informação.
"Muitas vezes eu fico me perguntando como é que algumas pessoas imaginam que o assunto educação não é relevante ou urgente. No caso do Fausto Silva, a quem respeito, acho que há um desconhecimento da realidade do percurso dessa reforma, que envolveu um debate de cerca de três para quatro anos no Congresso Nacional, no mínimo. Precisava alguém que assumisse e decidisse politicamente que iria fazer. E houve a decisão política. Levei ao presidente Temer a possibilidade de a gente levar essa agenda adiante. Ele respaldou, tomou a decisão de forma corajosa". O ministro acrescentou que o uso da medida provisória apressa a tramitação legislativa, mas não elimina o debate nem a possibilidade de alterar o texto original (assista a seguir).
Vai abaixo a íntegra da entrevista com o ministro Mendonça Filho (Educação). A conversa tem 38 minutos e 55 segundos de duração:
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.