Cunha levou para cadeia muita mágoa de Temer
Josias de Souza
20/10/2016 05h17
Desde que foi cassado, há 38 dias, Eduardo Cunha atribui sua derrocada a Michel Temer e aos auxiliares palacianos do presidente. Com o passar do tempo, Cunha evoluiu da lamentação para a execração. Vangloriava-se de ter "enxotado Dilma" da Presidência da República. Considerava-se credor de alguma "gratidão". E queixava-se de ter recebido apenas "traição". Ao ser preso, nesta quarta-feira, Cunha levou seus rancores para a carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Hoje, nas palavras de um amigo, Cunha nutre por Temer e pelo governo dele "uma profunda mágoa".
A despeito da revolta, o ex-mandarim da Câmara dizia em privado que não se tornaria um delator. Fustigaria os "traidores" no livro que pretendia lançar antes do Natal. A julgar pela primeira manifestação do advogado de Cunha depois das últimas novidades —"Delação não está no nosso radar"—, a prisão não alterou a disposição do seu cliente. Mas o amigo que se dispôs a conversar com o blog comentou: "Dentro de um mês, o Eduardo Cunha será a mesma pessoa. Com uma diferença: ele terá passado 30 dias atrás das grades. E isso pode fazer uma extraordinária diferença."
O que o interlocutor do novo prisioneiro da Lava Jato declarou, com outras palavras, foi o seguinte: depois do primeiro mês mastigando a quentinha da cadeia e dormindo no colchonete, Eduardo Cunha talvez se anime a delatar até a própria sombra. Sitiado pelas provas que a força tarefa de Curitiba reuniu contra ele em dois anos de investigação, o personagem terá de suar muito o dedo para se tornar um colaborador da Justiça. Sua sombra a Lava Jato já virou do avesso. Não lhe falta, porém, matéria-prima para desestabilizar a Presidência de Temer. Resta saber até onde vai a mágoa do novo hóspede da carceragem de Curitiba.
Gravado pelo correligionário Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, o senador e ex-ministro Romero Jucá, presidente do PMDB federal, dissera que a Lava Jato tinha que ser resolvida "na política". Sem saber que falava para o gravador do celular de um delator, Jucá abriu seu coração: "Tem que resolver essa porra. Tem que mudar o governo para estancar essa sangria." A troca de governo ocorreu. Mas o pesadelo de Eduardo Cunha não é senão a continuidade da "sangria" que a oligarquia do PMDB não conseguiu "estancar".
Eduardo Cunha nunca se iludiu com o Projeto Torniquete. Mas esperava que Temer e seus amigos do PMDB o ajudassem a empurrar com a barriga a apreciação do pedido da cassação do seu mandato. Achava que conseguiria manter a cabeça sobre pescoço se o encontro com a guilhotina fosse adiado para depois das eleições municipais. Por isso tentou, sem sucesso, acomodar um aliado na presidência da Câmara depois que renunciou ao cargo, num esforço tardio para salvar o mandato. O problema é que, apoiado pelo Planalto, elegeu-se Rodrigo Maia (DEM-RJ). Que marcou o encontro de Cunha com a guilhotina para as vésperas do primeiro turno da eleição. Daí a "mágoa profunda" de Cunha. Ele enxerga as digitais de Temer no triunfo de Rodrigo Maia, genro de Moreira Franco, chefe do programa de concessões do governo e alvo da ira de Cunha.
Ironicamente, na petição que encaminharam ao juiz Sergio Moro para fundamentar o pedido de prisão de Cunha, os procuradores da força-tarefa da Lava Jato fizeram anotações que indicam que a "mágoa" de Cunha não reduziu sua presença no governo. O ex-deputado "ainda mantém influência nos seus correligionários, tendo participado de indicações de cargos políticos do governo Temer", anotaram os investigadores. Como exemplo, citaram a nomeação do deputado Maurício Quintella, líder do PR e membro da infantaria de Cunha, para o posto de ministro dos Transportes.
Na gravação feita à sorrelfa pelo delator Sérgio Machado, Romero Jucá lamentara que, àquela altura, na bica de concluir a tramitação do processo de impeachment, Renan Calheiros, presidente do Senado, ainda torcesse o nariz para a deposição de Dilma. Renan "não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha", afirmara Jucá. "Gente! Esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra." De fato, a conjuntura parece ter jurado Cunha de morte. Mas os podres que ele conhece dos ex-aliados o fazem imaginar que continua cheio de vida.
Como sinal de sua vitalidade, Cunha fez circular pelos porões de Brasília nas última semanas um conjunto de ameaças. Vão do dinheiro de má origem que ele diz ter borrifado nas arcas da campanha de Temer à vice-presidência, em 2014, até denúncias que podem incendiar o Congresso num instante em que o Planalto precisa de tranquilidade para votar sua pauta de reformas.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.