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Odebrecht democratizou a distribuição da lama

Josias de Souza

23/11/2016 19h16

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Uma das principais características da corrupção se observa nos partidos políticos: os corruptos estão sempre nos outros partidos. A delação coletiva dos executivos da construtora Odebrecht torna difícil o exercício de colocar a culpa no outro. A maior construtora do país promove uma inédita democratização na partilha da lama. A roubalheira logo estará tão disseminada que haverá um compartilhamento compulsório do cinismo.

O fenômeno já começou a se manifestar no movimento suprapartidário pela aprovação no Congresso de uma anistia para o crime de caixa dois e um pacote de leis oportunistas para inibir o ímpeto de procuradores e magistrados. Os políticos vivem uma crise de identidade. Extinguem-se gradativamente as individualidades. A Odebrecht iguala-os por baixo. Ninguém se anima a atirar pedras os outros. Todos têm telhados de vidro. Muitos têm terno, gravata, camisa de vidro.

Antes da delação da Odebrecht, quando ainda se falava em "estancar a sangria", a grande dúvida dos políticos era: até onde vai a Lava Jato? Agora, os políticos fazem outra pergunta aos seus botões: quando irão nos deter? O processo será longo e doloroso. Para alguns, o pesadelo se revelará mais ameno e agradável do que o despertar.

Uma vez assinados todos os acordos, a Procuradoria-Geral da República remeterá os papeis para o ministro Teori Zavacki, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal. Se achar que é o caso, Teori poderá destacar um ou mais juízes auxiliares para reinquirir os delatores. O ministro vem adotando essa providência para se certificar de que ninguém está suando o dedo senão por livre e expontânea vontade. Ele fez isso, por exemplo, com os 11 delatores da Andrade Gutierrez.

Na sequência, Teori promoverá uma divisão de suspeitos. Os que têm mandato, serão processados no purgatório do Supremo ou do Superior Tribunal de Justiça. Os que não dispõem do escudo do foro privilegiado descerão direto para o inferno da República de Curitiba.

Estima-se que a distribuição de investigados estará concluída até março de 2017. Só então começará o trabalho pesado da investigação. E a infantaria da Polícia Federal começará a bater na porta dos delatados da Odebrecht, despertando-os do pesadelo e arrastando-os para a realidade.

Haverá reflexos políticos. A sucessão de 2018, já bem embaçada, tornou-se apenas um ponto de interrogação assentado no calendário. Reformas como a da Previdência, que Michel Temer esperava aprovar com enorme dificuldade, subiram no telhado. Haverá também consequências econômicas. Investidores que olhavam para o Brasil com uma ponta de interesse levarão o pé atrás.

Nos próximos meses, não se falará em outra coisa no Brasil. Será difícil mudar de assunto nas rodas de conversa. Vai-se mudar, no máximo, de corrupto. Já se pode prever que 2017 não será um ano feliz nem novo.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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