Toffoli adia no caso de Renan Calheiros afastamento que impôs no caso Cunha
Josias de Souza
03/12/2016 04h42
Há sete meses, no dia 5 de maio, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão inédita: suspendeu do mandato o então deputado Eduardo Cunha, afastando-o da presidência da Câmara. Uma das razões alegadas foi a necessidade de tirar o personagem, réu em ação penal, da linha sucessória do Planalto. Relator do processo, o ministro Teori Zavaschi escreveu em seu voto: "…Os ocupantes de cargos integrantes da linha sucessória da Presidência da República jamais poderão exercer o encargo de substituição caso estejam respondendo a processos penais."
O voto de Teori foi aprovado no plenário do Supremo por 11 a zero. Presente à sessão, o ministro Dias Toffoli ajudou a formar a unanimidade. Hoje, como que acometido de amnésia, o mesmo Toffoli impede a Suprema Corte de concluir um julgamento que proíbe réus de ocuparem cargos na linha sucessória da Presidência. Toffoli pediu vista do processo há um mês. Planeja desengavetá-lo apenas quatro dias antes do Natal. O gesto do ministro é um presente natalino para Renan Calheiros, convertido em réu pelo Supremo na quinta-feira passada.
O voto de Teori Zavascki sobre o afastamento de Cunha pode ser lido aqui. Na imagem abaixo, vão reproduzidos dois parágrafos que transformam o pedido de vista de Dias Toffoli numa iniciativa sem nexo.
Toffoli pediu tempo para estudar melhor um tema sobre o qual já deliberou num instante em que o placar no plenário do Supremo já contabilizava uma maioria de seis votos a favor do veto à presença de réus na trilha funcional que leva à poltrona de presidente da República. Ainda que Toffoli resolva rasgar a decisão que tomou em relação a Eduardo Cunha, é improvável que seus colegas mudem de opinião. Assim, o retardamento do veredicto só serve aos interesses de um brasileiro: Renan Calheiros.
Fustigado nas redes sociais, Toffoli emitiu uma nota no início da noite desta sexta-feira. Pode ser lida aqui. Nela, o minsitro informou que só agora chegaram ao seu gabinete os autos daquela ação que começou a ser julgada em novembro e que resultará no banimento de réus dos cargos situados na linha sucessória do Planalto. Fez questão de anotar que o prazo de que dispõe para estudar o processo começa a ser contado nesta sexta e termina em 21 de dezembro.
Nessa data, o Judiciário e o Legislativo já estarão de recesso. Brasília só religará as fornalhas em fevereiro de 2017, quando serão eleitos os presidentes das duas Casas legislativas. Assim, graças à ajuda de Dias Toffoli, o réu Renan, protagonista de um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze processos judiciais, poderá concluir o seu mandato no comando do Senado como se nada tivesse sido descoberto sobre ele.
Relator do processo em que seis ministros do Supremo já informaram que réus não podem frequentar a linha sucessória, Marco Aurélio Mello também soltou uma nota oficial na noite desta sexta-feira. Pressionando aqui, você chega ao texto. Nele, está escrito que os autos sempre estiveram à disposição de Toffoli. "…O processo é eletrônico. Não depende de deslocamento físico ou formal. Os ministros possuem acesso automático, antes mesmo de ser liberado, pelo relator, para julgamento."
Marco Aurélio disse mais: "No mesmo dia do início do julgamento [3 de novembro], a chefe de gabinete do ministro que pediu vista [Dias Toffoli] solicitou cópia do voto, encaminhado por e-mail e reencaminhando no dia seguinte, 4 de novembro. A informação atinente ao pedido de vista foi lançada, no dia 3 de novembro, no extrato de andamento do processo." O que Marco Aurélio afirma, com outras palavras, é o seguinte: Dias Toffoli promove uma encenação.
Suprema ironia: mantido no cargo graças ao teatro de gaveta de Dias Toffoli, Renan Calheiros levará a voto no plenário do Senado, na próxima terça-feira, o projeto de lei sobre abuso de autoridade. Ao retardar a conclusão de um julgamento já decidido, sob o pretexto de que precisa estudar um tema sobre o qual já deliberou, Dias Toffoli torna-se candidato a ser enquadrado na lei de abuso que Renan faz tanta questão de aprovar.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
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