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No futuro de Temer cabe tudo, menos realidade

Josias de Souza

24/12/2016 21h34


Esboçado num discurso de final de ano, levado ao ar na noite de Natal, o futuro do Brasil de Michel Temer está ali, na esquina, radioso, pronto para ser desfrutado. Nele, "2017 será o ano em que derrotaremos a crise." Os empresários, prenhes de confiança, "voltarão a investir e vamos recuperar os empregos perdidos." (Leia no rodapé a íntegra do pronunciamento de Temer)

Como qualquer outro futuro, o futuro do país de Temer é um espaço impreciso e impalpável. O presidente pode vender para si mesmo e para os brasileiros crédulos qualquer coisa, pois o futuro não pode ser cobrado nem conferido. Mas Temer poderia pelo menos ajustar o seu futuro à realidade do Banco Central, que reduziu de 1,3% para 0,8% sua expectativa de crescimento (pode me chamar de estagnação) do PIB para 2017.

De resto, Temer esqueceu de mencionar —ou lembrou de omitir— duas palavras em seu discurso: Lava Jato. Em maio, quando assumiu provisoriamente a presidência da República, o mesmo orador dissera o seguinte: "A Lava Jato tornou-se referência. E como tal deve ter prosseguimento e proteção contra qualquer tentativa de enfraquecê-la."

Pois bem, decorridos sete meses e várias tentativas frustradas de "estancar a sangria", os aliados de Temer estão presos ou sitiados por inquéritos. A cúpula do "novo" governo caiu ou está pendurada nos lábios dos delatores da Lava Jato. O nome do próprio presidente soou nas delações da Odebrecht. Seu pescoço encontra-se na guilhotina do Tribunal Superior Eleitoral, que decidirá no primeiro semestre de 2017 se baixa a lâmina.

Num cenário assim, tão conturbado, o máximo que Temer poderia dizer seria algo como "o futuro a Deus Pertence." E ainda correria o risco de ouvir uma pergunta incômoda: "E quanto ao passado, quem responderá por ele?" Mas o ambiente é de festa. E o brasileiro, que costuma ser otimista entre o Natal e o Carnaval, deve estar ávido por viver neste país maravilhoso que Temer esboçou na tevê, seja ele onde for.

Abaixo, a íntegra do pronunciamento de Temer:

Boa noite,

Nesta noite de Natal, dirijo-me a você e a todo povo brasileiro para transmitir mensagem de renovada esperança.

O ano que está terminando trouxe imensos desafios.

Assumi definitivamente a presidência da república há pouco mais de cem dias.

Tenho trabalhado, dia e noite, para fazer as reformas necessárias para que o país saia dessa crise e volte a crescer.

O Brasil tem pressa. E eu também. Nesses poucos meses do nosso governo, muito já foi feito.

Com os esforços que fizemos, a inflação caiu e voltou a ficar dentro da meta, o que vai colocar um freio na carestia que você sente no supermercado.

Aprovamos a lei que bota ordem nos gastos públicos pelos próximos 20 anos.

E a lei que moraliza e dá transparência à administração das estatais.

Estamos começando a Reforma da Previdência, para que sua sagrada aposentadoria esteja garantida agora e no futuro.

Aprovamos na Câmara a Reforma do Ensino Médio, que estava parada havia anos.

Ampliamos em mais de R$ 8 bilhões o orçamento da Saúde, área para a qual não pouparei recursos.

Mudamos a constituição para mudar o Brasil.

Tudo isso, volto a lembrar, em poucos meses.

Tenho a perfeita consciência dos problemas do país e da missão que me foi dada.

Os brasileiros pagam muitos impostos e poucos recebem em troca.

Meu desafio é desburocratizar o estado e melhorar a qualidade da administração pública.

É o que chamo de democracia da eficiência.

2017 será o ano em que derrotaremos a crise.

Os juros estão caindo. E cairão ainda mais.

Os empresários voltarão a investir e vamos recuperar os empregos perdidos.

Precisamos crescer. Trabalhamos para voltar a crescer.

Vamos crescer.

Desta vez, um crescimento sustentável e responsável.

Estamos mudando as estruturas do nosso país.

É um desafio complexo e árduo, mas indispensável, a ser vencido por todos nós.

Que nos deixemos, portanto, guiar pelas virtudes da temperança e da solidariedade.

E pelo entendimento de que, na humildade do diálogo e na correria da ação, construiremos juntos o caminho para fazer o futuro.

A verdade virá.

O Brasil, repito, está no caminho certo.

O próximo Natal será muito melhor que este.

Quero encerrar esta minha mensagem prestando homenagem a um grande brasileiro que nos deixou recentemente: o cardeal dom Paulo Evaristo Arns.

A esperança foi seu lema, a coragem, a sua marca.

Coragem e sentimento de esperança não me faltarão.

Chegaremos em 2018 preparados e fortes para avançar ainda mais.

Peço a você que acredite no Brasil.

Desejo um feliz Natal.

Que o seu gesto de amizade e fraternidade nesta noite se estenda por todo o ano novo.

Vamos juntos reconstruir o nos país.

Muito obrigada a todos.

Boa noite, Brasil!"

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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