STF põe em risco no petrolão prestígio amealhado no julgamento do mensalão
Josias de Souza
21/01/2017 06h18
Superado o receio de que o novo relator da Lava Jato saia da caneta de Michel Temer, um potencial investigado, o país passa a conviver com o pavor de que o Supremo Tribunal Federal escolha um relator inconfiável. A hipótese de que o substituto de Teori Zavascki seja selecionado por sorteio é horrorizante. A impressão de que nem todos os ministros da Suprema Corte são dignos da função é horripilante.
Nenhum cidadão no mundo recebe mais informações jurídicas do que o brasileiro. Um visitante estrangeiro estranha que o noticiário fale mais sobre inquéritos, denúncias e ações penais do que sobre futebol. A maioria dos brasileiros entende de leis apenas o suficiente para saber que precisaria entender muito mais.
Entretanto, as transmissões da TV Justiça desenvolveram na plateia habilidades que permitem diferenciar certos magistrados dos magistrados certos. O que tornava Teori especial aos olhos leigos era o estilo de zagueiro de time de várzea, não o notório saber jurídico.
O relator morto da Lava Jato sabia demarcar o seu território na grande área de um processo. Cara amarrada, mirava a canela. Com dois trancos, arrancou Eduardo Cunha da presidência da Câmara e do exercício do mandato. Abriu o caminho para a cassação e a prisão. Com outro tranco, empurrou gente como Lula para dentro do "quadrilhão", como os investigadores chamam o inquérito-mãe da Lava Jato.
Não são negligenciáveis as chances de o novo relator ser içado na Segunda Turma do Supremo, onde tramitam os processos da Lava Jato. Com a morte de Teori, restaram nesse colegiado: Celso de Mello (preferido da presidente Cármen Lúcia), Gilmar Mendes, Dias Tofoli e Ricardo Lewandowski. Responda rápido: você levaria a mão ao fogo por todos eles?
Em geral, essa gente leiga que conhece o seu valor costuma achar inacreditável que jogadores remunerados pelo teto do serviço público, tratados com todo o pão de ló que o dinheiro público pode pagar, não consigam prevalecer sobre o time dos corruptos de goleada.
O pedaço mais esclarecido da arquibancada raciocina assim: eu, com o mesmo salário e igual tratamento, ficaria envergonhado se não pintasse duas ou três capelas sistinas por mês.
É contra esse pano de fundo que o novo relator da Lava Jato está sendo escolhido. Ou o Supremo acomoda nessa relatoria um ministro com a disposição de um zagueiro e o talento de um Michelangelo ou vai jogar no ralo todo o prestígio que amealhou no julgamento do mensalão.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.